...certas questões morrem solteiras (preguiça, amor, ódio, saudade e vingança), porém, se tudo se soubesse não se faziam perguntas, não se procurariam respostas, dentro e fora do que somos. Em certos dias, falta-me o ar, fisicamente, de “prensa no peito” e tudo a que tenho legitimamente direito, mesmo com tanto espaço, sufoco de liberdade, na ânsia de ter de regressar a essa prisão, que afinal apenas reside em mim, cárcere construído de raiz, tijolo por tijolo pelas minhas próprias mãos (culpa), cela de aparência modesta e populada de incertezas, de bibelôs de medo nas prateleiras, lençóis por desmanchar.
Suspiro “ais” ao vento e recordo também "suspiros", os bolos de elevadas calorias que tantas vezes comi em miúdo, e que me despertam para o corriqueiro pensamento de como o tempo passa depressa - e de como facilmente se perde tempo - se avançam ponteiros e se arrancam folhas do calendário, 10 anos foram ontem, 20 anos a semana passada, e o que fica guardado ? Pouco e mesmo assim vago. Resumo (e reduz-se) tudo a um pequeno novelo, condensado, (como uma gaveta cheia de quinquilharia, onde se guarda de tudo) de fotografias e filmes de pessoas, objectos, situações e sítios, mas que parecem sempre poucos, que parecem sempre não conseguir fazer jus a uma vida plena de emoções, como se mais se pudesse ter feito, como se mais pudesse ter sido possível de fazer, como se mais nada se pudesse acrescentar (de novo), como se o inverno tivesse vindo para ficar, frio e ameaçador, e eu de edredon por meter na cama mas já a sofrer de antecipação por o não ter posto e que, nesse medo, me perco e acabo por não pôr, sofrendo efectivamente do frio que tinha medo de sofrer.
Tenho tudo, sempre consegui tudo, mas abertamente falando, que tenho eu? Meia dúzia de conformismos burgueses, meia dúzia de manias revolucionárias, frases feitas, arrogância, desdém, algo a que chamo amor quando quero ser amado, pouco mais, nunca houve muito mais que isto, certamente...
Recordações, sempre elas, mas porquê guardar na memória, acontecimentos tão simples e aleatórios como encontrar um "pé de pato" da Churchill Makapuu nos seus tons originais, azul de ponta amarela, num passeio estival no principio da década de 90 perto da praia da Almagreira? Não faz sentido, era só um, ainda por cima um gigantesco "L" e nem sequer fiquei com ele... isso ou recordar com exactidão historias de outros, contadas ou vistas, melhor que os próprios. Nada disso é aparentemente útil ou utilizável, mas ironicamente, também sei coisas que nunca ouvi, vi ou conheci, mas sei o que contam, o que são, o que me querem dizer, tal como desconhecidos que sabemos serem fruta podre, confirmados na primeira trinca gulosa, cuspida de seguida, mostrando o verme que a devora.
Saudades, eternas saudades, saudades de "tio patinhas" e pipocas com açúcar debaixo de um alpendre de um quintal que já não existe, na companhia de um cão que já morreu, tenho saudades de pescarias hoje em dia impossíveis, de caminhadas pela praia cada vez mais improváveis...
(tive isso tudo um dia na palma da mão aberta, mas agora de mão fechada, tenho medo de a voltar a abrir, e não encontrar... nada)
* Sara também pensa assim, mas só nos dias em que a chuva vem e bate na janela virada para o rio (Douro)...
Eu e tu... mais um dia das nossas vidas comuns, incomuns das restantes, pensamos nós absortos na nossa realidade única e linda. Conheço-te bem a alma, sei a pessoa que és, conheço de cor o teu sabor, o teu perfume, e tu sabes quem sou, do mesmo jeito, não precisamos de o pensar... sabemos... não precisamos de o dizer... sentimos...
Não existem outros, só nós, as pessoas à nossa volta, os milhares espalhados pelo mesmo areal, ávidos de 4 ou 8 horas de Sol não passam de figurantes de uma peça qualquer, indiferente para o caso, e nós espectadores em toalhas juntas sob areia fofa, olhamos e apontamos defeitos... e rimo-nos disso, rimo-nos deliciosamente da vida e da felicidade que temos... das coisas simples como calções e fatos de banho ridículos, penteados, figurinhas e famílias socialmente funcionais que para nós são o contrario... e depois eu beijo-te e tu trincas-me a língua... e dizes-me ao ouvido coisas que me fazem corar... e eu faço o mesmo e tu disparas um angélico e impostor:
- "Parvo!"
E ris-te, provocante, mordendo o lábio inferior e dando-me um beliscão na barriga, cúmplices no crime do amor, julgados e culpados á pena máxima.
Fica-te bem a pele bronzeada (já te disse) – tão linda! - O Sol realça-te ainda mais a beleza, os teus olhos ficam mais brilhantes, e os lábios mais apetitosos, mas amo-te de igual forma, o máximo permitido pelos poetas, infinitamente... adoro beijar a tua pele salgada, e de fazer amor contigo ao chegarmos da praia, do hall de entrada para o quarto, com toalhas e roupas cheias de areia deixadas pelo chão despreocupadamente (limparemos os dois mais tarde), e depois do quarto para o chuveiro, onde o sal dos nossos corpos se dilui com a água tépida e o calor dos beijos...
"Nunca pensei que fosses real... meu amor..." digo-te eu, entrando em conflito com a realidade, como se fosse impossível ser tão belo e temesse, mesmo que por breves momentos, acordar apenas de um sonho...
Calas-me a boca com um beijo, de desejo, transformamo-nos em diabos arfantes, de respiração profunda e compassada, de corpos amantes, sedentos, devoramo-nos contra os azulejos de olhos fixos um no outro... indescritíveis… e dizes-me...
"Mas sou... e tu também"
Amor vincit omnia
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