Aperaltados, azucrinados, desfigurados sem absolvição. Em que biblioteca acumula pó o livro do saber? E quem o leu? Onde moram as pessoas reais? Para onde vai o imposto audiovisual? Quais as minhas percentagens de consumo e despesa na sociedade? Onde está guardada a minha ficha e quem a consulta? Porque raio ninguém acerta na meteorologia? Porquê esperar sorte num jogo que se auto-intitula de azar? Há de facto publicidade não enganosa? Qual o seu real propósito? O arroz basmati também chega aos pobres e sem-abrigo da ajuda alimentar? E importa?
"Não fales mais... não fales demais... meu amor... deixa-me sentir-te a alma, sei que é estúpido dizer isto, parece conversa de poeta aprisionado em quarto almofadado… mas sei que percebes o que digo...
Deixa-te estar só assim, aconchegada, o tempo que quiseres ter o teu corpo nos meus braços... deixa-me passar a mão pelo teu cabelo, prendê-lo suavemente atrás da orelha, e sentir a tua respiração... és linda aos meus olhos (será que realmente o sabes ?)... e eu só quero estar assim, a ver-te ali, perfeita nesse imagem... nem sei bem como o dizer, como explicar a paz e o amor.
Acho que estamos numa sala qualquer, num sofá, talvez o teu, ou talvez no conforto desconfortável dos assentos paralelos do carro, com travão de mão ligeiramente aliviado e manete das mudanças engatada em terceira, mas isso são questões físicas, descartáveis para a ocasião, que pouco importam...
Serás sempre a minha princesa (acho que não aceitas isso)... e a memória do toque da tua pele não basta... mas tem de servir...
Demasiado doce... demasiado suave... realmente demasiado bom para ser verdade...
Não me belisques já... por favor... só mais 5 minutos..."
As palavras que são ditas hoje
Podem ser as mesmas de sempre
As tuas de ontem sem esforço
Eram de outros presentes
Palavras assim indigentes
Sem sentido não valem nada
De nada servem ser usadas
Plagiadas com indiferença
As palavras não são doença
São fluxo dos nossos sentidos
Que transformam os choros em gritos
E as alegrias em silêncios
As palavras são os momentos
Imagens daquilo que pensas
Não mostram só o que é dito
Buscas ou coincidências
Pobres palavras de amor
Prostituídas sem nexo
Como se fossem só sexo
Palavras belas tão sujas
Percebo agora desperto
Bonitas palavras maduras
Pensava serem só minhas
Mas que nunca foram só tuas
De nada nos servem procuras
No fim somos sempre quem somos
As palavras serão sempre belas
E as pessoas... pessoas
Jorge queria amar, sempre quis amar, e desde novo acreditava que o amor era o sentimento mais humano, o mais nobre e o mais puro de todos. Jorge dificilmente amava alguém pelos cânones, não se dava facilmente a qualquer pessoa, pois respeitava a integridade do sentimento e da palavra "amo-te". Isso não o impedia de nada, apenas não punha tudo no mesmo saco, tinha os seus casos, os seus one night stands, a espera do click que despoletasse o amor. A adolescência acabou, chegou a idade adulta (física e mental), o peso emocional das coisas, e com o passar dos anos o aproximar da barreira invisível dos 30. As relações descartáveis – acumuladas – começaram a deixar de fazer sentido, estava farto de relações temporárias, da facilidade do sexo descomprometido á última hora, não queria mais orgasmos "unplugged" sem a electricidade característica do amor, sem aquela faísca no momento em que 2 corpos se tocam, se unem, mágica, indescritível, que acontece tão raras vezes – preciosas vezes – que só acontece quando é verdadeiro, que não se atinge com a experiência, ou apenas com tentativas - se assim fosse todas as putas seriam felizes.
Jorge queria esse amor, o que ele acreditava ser o verdadeiro amor, o puro, o romântico, o dos poetas, dos filmes, das músicas, o sentimento de abraçar alguém nos seus braços e conhecer-lhe o cheiro, o sabor, o amor que é feito dos pequenos gestos, não de preços de etiquetas cortadas de pulôveres de marca, já não lhe interessavam mais estatísticas, prémios ou medalhas por quantidade de parceiras sexuais.
Jorge cansou-se do sentimento inócuo de "mais um caso", do facilitismo de mais um número no telefone, de mais uma "sexy", "fofah" ou "baby" no msn, de mais uma noite a consolar carências, de paixões de limpa-almas, sentia-se um prostituto, estava farto das conversas de sempre, dos jogos de engate de sempre, da superficialidade de sempre, dos momentos efémeros, queria para si os momentos eternos e únicos. Jorge queria momentos a dois, registados em mensagens e bilhetes religiosamente guardados na gaveta das recordações e também junto ao peito, registados em álbuns de fotografias (a dois), escrevinhados nas lombadas com datas e locais, queria molduras na secretaria do trabalho e fotografias tipo passe na carteira, queria wallpapers no desktop e alianças de ouro branco. Jorge não queria apenas dar, queria dar-se, sem barreiras, medos ou mentiras, não queria o "sagrado amor" fútil de casamentos de Igreja, sem sal, oportunista (não generalizando), não queria o "amor" por motivos materiais, sociais, ou por questões de IRS, não queria o "amor" porque "tenho 35anos, não consigo comprar uma casa sozinho e quero ter um filho", Jorge queria o amor e a vida na plenitude máxima, vivida a dois, partilhada a 2, queria Las Vegas, queria Paris, queria beijos longos, quentes, intensos, queria a vida no limite, sem limites, ultrapassando os limites, queria sexo, drogas e rock n' roll, queria o "Último Tango em Paris", o "Titanic", o "Nove Semanas e Meia", o "Assassinos Natos" o "Bonnie and Clyde" e o "Dirty Dancing" misturados em copos de shot, servidos a arder, para os 2 beberem num trago, de olhar cúmplice um no outro (e um amo-te)... Jorge queria um abraço forte ao chegar a casa, um olhar meigo a dizer "és a pessoa mais importante do Mundo, não quero mais ninguém, amo-te", "esperei por ti toda a vida", "sem ti, não faz sentido..."
Jorge, precipitou-se nessa busca, a busca da sua vida, uma busca incessante, Jorge queria conquistar e merecer esse verdadeiro amor, a verdade no amor, e encontrou pessoas que lhe disseram que sim, que também queriam isso, que não era imaginação dele, que partilhavam o mesmo ideal (sim, estou contigo), e então diziam-lhe na cara "Amo-te", "És a pessoa mais importante do Mundo", "não posso viver sem ti" e Jorge enchia o peito de amor e flutuava... mas não importava se subia devagar ou não - temerário - essa escada da felicidade, pois depressa a descia, aos trambolhões e percebia que toda a gente conseguia dizer impunemente "amo-te", mas ninguém conseguia transformar a palavra em magia, em sentimento, e por isso Jorge afastava-se, revoltava-se, pois no fim de contas a verdade era ilusão - desilusão - as pessoas eram as mesmas de sempre - camufladas - desrespeitavam o amor, o sentimento, alimentavam-se da sua alma e viviam de mentiras, sem valores, egoístas com os seus mundos mesquinhos, corações impenetráveis e umbigos egocêntricos, mentes viciadas apenas no prazer dos momentos, sem pensar, como se fossem eternas crianças mimadas e "amar fosse um brinquedo" (tal como diz a canção)... Um brinquedo que magoa...
Um dia em casa olhou-se ao espelho, e não contemplou apenas o reflexo, olhou-se nos olhos e pensou "talvez tenham razão, amar assim é doença, afinal o que é o amor? O amor não é nada, não existe sentimento mais ou menos nobre, o amor é apenas uma palavra, não tem moralidade, é um punhado de sensações, mentiras e meias-verdades, como um analgésico para a alma, que não cura, apenas inibe a dor, não existe honra em nada disso, é físico, é sexo, é uma invenção dos poetas, nunca poderá existir "Romeu e Julieta" na vida real, só em livros, é tudo imaginação".
Jorge estava conformado com a sua nova realidade, e empenhado a "amar" como via os outros amarem, observou todas as regras, tentou entender os truques, as fintas e percebeu que no fundo não interessa gostar de alguém, basta dizer amo-te, como se isso desbloqueasse um outro nível, primeiro gosta-se, depois adora-se, depois diz-se "i love you" e depois amo-te, não tinha um significado mais complexo do que uma banal forma de ascensão de jogo de computador, depois percebeu que também não interessava dizer a verdade, pura e dura, por mais ingénua que fosse, que não tinha de ficar com medo de ter peso na consciência, ou outras coisas parvas que ele pensava, pois jura-se e está feito, cumpre-se ou não, pouco importa, é apenas um tapa-olhos – e nem sequer era preciso fazer figas – mais uma vez o "prometido é devido" da canção era apenas poesia.
Jorge sentia-se de outro planeta, embriagado, era tudo demasiado estranho, demasiado confuso, podia-se amar sem se sentir, podia-se jurar sem ser verdade, podia-se mentir (mesmo olhos nos olhos) apenas por ser mais fácil, podia-se amar apenas por dar jeito, apenas porque o sexo era bom, porque não existia mais ninguém ou porque não havia mais nada para fazer. Aos poucos Jorge foi ficando doente, como se o seu peito estivesse a ser esmagado, e a sua cabeça, tal como numa ressaca, lentamente voltava ao seu estado normal... Jorge viu-se novamente em frente a um espelho, de candeeiro a brilhar nos olhos e pensou...
"Muito bem, não há volta a dar, não consigo ser o contrário, ir contra os meus princípios, talvez seja difícil ser feliz vivendo assim nos dias de hoje, talvez seja um sonho de futuro amar e viver assim, mas que se pode fazer, venero o amor, respeito-o, não sou compatível com a traição, com a mentira nem com a falsidade, sinto-me bem por ser verdadeiro, por ser honesto, dizer a verdade, e embora isso me traga algumas desilusões, dói menos que acreditar que nada existe e andar por aí perdido, um humano desumanizado, um autómato... E o engraçado disto tudo é que no fundo ninguém me diz que estou errado... aliás toda a gente me diz que estou certo, que é assim que se tem de viver a vida e o amor, que é isso que também procuram, mas no fim ninguém o cumpre... ou tem medo de cumprir..."
Jorge olhou-se fixamente durante minutos, muitas coisas lhe passaram pela cabeça, lavou a cara e dirigiu-se para o sofá da sala, ficou por ali acordado até de madrugada, na companhia de cigarros e Jack Daniels. Quando o sol já subia no horizonte, pegou nas chaves da moto, lançou um beijo com a mão ao olhar para trás e saiu com as chamas a devorarem a carpete fofinha da sala...
...pessoas à porta do prédio disseram à Polícia que minutos antes alguém tinha saído a rir-se a gargalhada, mas isso foi o que contaram...
Numa parede das redondezas, passados poucos dias, alguém escreveu a preto baço com contraste…
"...que nunca se menospreze o amor..."
As verdades doem, as mentiras matam...
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