Pensava eu que o mundo acabaria – mais tarde ou mais cedo – por ceder simpatias, coisas dispersas e avulsas (raras), de cheiro a mofo de não usar, descontinuadas, mas felizes. Não passou tudo de mera expectativa, da pior ilusão, enganei-me no espelho (olha para ti, sou eu) um acumular de contínuos “Dons Sebastiões” em espera que a meteorologia lhes desse uma manhã de nevoeiro cerrado e esperançoso, que tardou sempre em chegar, e onde após debelar a negação, se descobre que mesmo o mais cerrado de todos não encobre nada, é fumo de um fogo comum, apenas um ligeiro camuflado, pequena brisa suja, manto de tecido leve, que distorce mas não esconde ou trás nada que não estejamos à espera, eterno embrulho de presente que pelo toque sabemos sempre serem meias de desporto contrafeitas, e que, por suposição, experiência, mas nunca sorte, quase que adivinhamos a cor branca, eterna frustração de quem sabe sempre o que lhe espera, hoje, amanhã e depois, Tigre amansado que vive num habitat controlado, genérico, pouco expressivo, desgastante, forçado, definido, pois tudo é-lhe "explicitamente numas/aparentemente noutras" dado, nada obtido por esforço real ou vontade própria, tudo em troca de uma falácia, de uma ilusão, de um gesto maquinal de fera, uns quantos abrires de boca de tédio (bocejos) e revolta (rosnares)…
O Tigre não faz ron ron
O Tigre só quer caçar
O Tigre nunca foi bom
É fera que quer matar
Não quero mais comer dessa carne, oferecida em mão, talhada de seu nervo, de ossos escolhidos a dedo, de níveis medidos, analisados, não quero beber mais água límpida, filtrada, aditivada, quero o que calha, o que me calha, o que mereço, parem, por favor parem!! Libertem as amarras invisíveis, mordaças mentais, eu estou a rosnar, enfurecido, não é felicidade, não quero os vossos sorrisos, não me tirem fotos, estas árvores não são daqui, foram aqui plantadas, estas pedras fazem parte dos sonhos de uma Arquitecta, de um Biólogo, de alguém, não foi a natureza que as escolheu… eu não sou daqui… eu não pertenço aqui… eu não sou livre, não sou o que estão a ver… metam uma ponte no fosso e eu juro que passo, eu juro que trinco, mordo e mato… julgam-me mal… não simpatizo com as vossas simpatias… preservar dizem vocês… amor dizem sentir… amor por vocês sim, mas não me façam de joguete, marioneta do vosso egoísmo, demanda de em tudo mandar, de tudo subjugar, estou cansado dos vossos gostos, regras e vontades… quero morder o braço frágil e quebradiço de uma criança, não me conhecem, quero matar 2 ou 3 antes de ser sedado, quero sentir o sangue quente de uma jugular a escorrer-me pela garganta, quero lamber as minhas patas pastosas de sangue coagulado, quero ser odiado, quero que alguém se arrependa de me ter pensado bonito e dócil, não sou peluche, não sou producto de prateleira de hipermercado nem personagem ternurenta de filme domingueiro de animação, quero ser abatido se for preciso, morrer a tentar viver …
Deixem-me mostrar o que sou, o que realmente sou, pois até agora não sabem ou conhecem nada…nada!!!!
O Tigre não está mansinho
O Tigre não está quebrado
O Tigre não quer um destino
De outros para ele traçado
E uma besta fechou os olhos, seguiu a viagem do livre arbítrio, nesse caminho pintado a negro, breves segundos espaçados de um flash, invadidos depois de cor, das coisas que queria e quer, de lugares onde nunca esteve mas sonha, de coração acelerado que pára, mas que numa eternidade indefinida e secreta…ecoa…
E um silêncio sepulcral abateu-se sobre o entardecer, num céu de azul cinzento-escuro, em degradé, e as articulações do corpo começaram a doer, como se tivessem sido esticadas, compassadas de espasmos, obrigando a um abraçar do corpo em posição fetal. Os pensamentos corriam livres, puros, atordoados num olhar começando aos poucos a enevoar, como a puxar para o sono, um sono profundo.
Nada era tão compensador nessa altura como a almofada fofa contra a cara e o toque reconfortante dos cobertores. Mas esses estavam longe, demasiado longes, mas quase que se sentiam, de tão habitual e conhecido ser o seu toque. Aos poucos, vindas de longe - em aproximação - começavam a chegar vozes, primeiro curiosas, depois em forma de risos incómodos e sarcásticos.
Conseguiram as pessoas reconhecer o Ser Humano ali deitado por terra, desprotegido, feito de sangue, suor e lágrimas tal qual como eles ? Um homem feito da mesma massa que os seus Deuses e credos apregoam ?
Os tempos eram conturbados, esquisitos, cinzentos... e uma voz sussurrou-me ao ouvido:
- "Apenas tens o que mereces vadio"
Mas será que tinha ?
PERFECT DAY - "Transformer"
Lou Reed
Just a perfect day,
Drink sangria in the park,
And then later, when it gets dark,
We go home
Just a perfect day,
Feed animals in the zoo
Then later, a movie, too,
And then home
Oh its such a perfect day,
Im glad I spent it with you.
Oh such a perfect day,
You just keep me hanging on,
You just keep me hanging on.
Just a perfect day,
Problems all left alone,
Weekenders on our own.
Its such fun
Just a perfect day,
You made me forget myself.
I thought I was someone else,
Someone good
Oh its such a perfect day,
Im glad I spent it with you.
Oh such a perfect day,
You just keep me hanging on,
You just keep me hanging on.
Youre going to reap just what you sow,
Youre going to reap just what you sow,
Youre going to reap just what you sow,
Youre going to reap just what you sow...
(in "Trainspotting")
Só para maiores
Só para homens e mulheres
De barbas feitas ou descuidadas
De pernas bem depiladas
Só para maiores
Por favor...
Só para gente sofrida de anos
Só para gente que conta os segundos
Só para gente que vive o seu mundo
E aspira voar ao fechar os olhos
Só para quem sofre
Só para quem sofre de amar
Só para quem bebe álcool
E consome drogas
Só para quem mete comprimidos
Para conseguir dormir
Conseguir acordar
Conseguir digerir
Só para ti...
Só para mim...
Perdoem-nos se puderem
Ou crucifiquem-nos se quiserem
Já pouco importa
Já nada magoa ou mata
Já nada alegra ou transfigura
Basta! (Acordem)
A vida tornou-se num zero
"...Sempre pensei que com o tempo herdasse mais algo, que merecesse mais, sempre pensei que fosse tudo diferente... mas será?!..."
Se eu tivesse mais coragem, ia até à praia mais próxima, nadava pelo mar dentro, até ficar sem pé, e criava um novo tipo de jogo, dava-lhe o nome de "Âncora Humana".
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