A velha ao meu lado tem a fralda cagada,
Estou preso a esta assento, mortalha
Entro em apneia. Respiro!
Perco a batalha...
Conversas triviais ao telemóvel,
No banco de trás do transporte
Palavras avulsas que me obrigo a ouvir, num desatino,
Por imposição de um tom de voz desproporcional á situação,
O resto é indecifrável,
Um misto atabalhoado de sons
Não percebo crioulo,
À minha frente um intenso ataque de tosse
Convulsões, espirros, fungadelas
Todo um misto de doenças à la carte,
Entro as fezes da velha e a doença
Reparto esta apneia,
Esta teia,
Chega a minha vez
Stop! Parto. Respiro.
A cidade é minha aldeia
Cidade suja, fétida, de calçadas povoadas de fezes caninas, beatas, pastilhas elásticas na forma de pequenos borrões pretos espalmados no chão, de transportes públicos nauseabundos corridos de bancos almofadados embebidos em suor ressequido, de viagens populadas de pisadelas e empurrões que num vai e vem esquizofrénico de arranques desenfreados e travagens bruscas te levam e arrastam a lugar algum, vomitando, num refluxo gástrico de entradas e saídas, pessoas aos magotes, paragem a paragem, vida a vida.
Cidade porca, imunda, afogada de pensamentos podres, ideias requentadas, habitada por cadáveres e seu ideais mortos, enfeitada de publicidades ávidas por mais um centavo, só mais uma dose, só mais um dízimo teu, crente da santíssima sagrada igreja capitalista de Wall Street, só mais uma moeda em troca da absolvição pela ganância que te corrói, só mais uma moeda para te acalmar as ânsias, para saboreares mais um pouco daquele sentimento artificial e fugaz de satisfação. Cidade poluída, cinzenta, de cheiro a esgoto e fumo, cidade vândala, vandalizada, de feridas a céu aberto, marcada de cicatrizes, golpes assassinos assinados por desconhecidos egocêntricos, pequenos guinchos tímidos de revolta desnorteada, inconsequentes, esboços de falsa rebeldia por toda a parte, riscados na parede e vincados no vidro.
Cidade da vergonha e da mentira, cidade da miséria e miserável, de mendigos, pedintes, solitários sem refúgio, sem esperança, terra de assaltantes e assaltados, de exploradores e explorados. Cidade de destroços, de casas devolutas, em queda, curvadas sobre si próprias, monumentos sem ego, decadentes, de estátuas e memórias abandonadas em jardins de piso gretado e erva daninha. Cidade megalómana e altiva, rainha sem trono nem coroa, mulher da rua, cidade maldita, cidade minha (?)
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