...e cá estamos nós, como sempre, subservientes desta realidade, a procura de um eterno sonho libertador, ou no mínimo, de um sono castrador que venha depressa, embalados pela mesma cantilena tristonha com cheiro a mofo, de sorriso forçado escondendo as carências, num processo evolutivo estagnado onde os anos passam mas não andamos, continuamos imóveis neste passadiço de cadência controlada, com um qualquer Tony (que não é António) a enfadar-nos os headphones, mais uns quantos "por amor de Deus" lançados ao vento com perdigotos em meia dúzia de frases feitas temerárias e de jornal desportivo debaixo do braço, porque no fim, nada muda, ou mudou, o que interessa mesmo é que o clube vermelho ganhe ao das riscas azuis e brancas, ou verdes e brancas, o que seja, em cavazada se possível, para ser menos dolorosa a ingestão do tinto, ou do branco, ou do fumo, ou do comprimido que me torna num cidadão mais bem comportado, e continuamos assim, curvados sobre nós mesmo, cheios de independências e verdades só nossas (que isso é que é ser livre!!), alegres da silva, como sempre, vamos a jogo sem trunfo apenas porque nos dizem que a lotaria só sai a quem joga, e fazemos magia sem coelhos na cartola, damos o corpo às balas sem acreditarmos em defensores ou nobres, nem em chicos-espertos que nos livrem, nem em fumos brancos, que neles já perdemos a esperança, e de palavras ocas já emprenhamos pelos ouvidos, mais que as vezes necessárias, temos o útero inchado e lasso de tanto sapo parir, e o sexo dorido, de tanto sermos fornicados... ou como se diz nesta língua bífida de Camões e Pessoa: transados... ou como se diz na minha terra: fodidos!!
QUANDO FALA UM PORTUGUÊS - "Anjo da guarda"
António Variações
Quando fala um português
Falam dois ou três
e o seu número a aumentar.
São outros tantos a falar
Ai! São tantos a falar
Quando fala um português
Falam dois ou três
Todos se querem escutar
Ninguém espera a sua vez
Ah! ninguém se quer calar
Pois tem direito a respeitar
Mas a conversa está a aquecer
Ai já estão a desconversar
Já ninguém se está a entender
Ai! Já estão todos a gritar
Ai! Que o insulto é de corar
A ameaça está no ar
E o punho está-se a fechar
Com tendência a piorar
E eu não paro de atiçar...
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