Um homem sorri estupidamente e fica assim de cremalheira à mostra, estático, por não menos que 15 segundos, sem som, num transporte público, uma pêga pedante de comportamento adolescente cheia de moralismos e estrangeirismos inusitados publica na Internet mais uma cronica fútil sobre qualquer merda que comprou ou viu numa montra da cidade - e que acabará por publicar num agregado de matéria fecal consumista a que orgulhosamente chamará de livro. Uma celebridade qualquer de quinta categoria, vendedor sabujo de saloiada, figura de proa de programas de estupidificação de massas, reality shows ou paquiderme da decadente jet7 volta à ribalta porque removeu um caroço numa clínica privada e fazem uma reportagem no lançamento do seu livro de baixa percentagem comissional: "sobrevivi a um cancro".
Um homem comum e absurdo embebeda-se mais um dia e cai desamparado na berma da estrada, afogado na lama, as contingências da sorte ou do azar não o levam ao atropelamento por parte de um sedan de 5estrelas ncap comprado em regime ALD conduzido por um homem de família afogado em dividas e desolado por mais um aumento das taxas ao consumo. Em casa uma mulher espera que o marido chegue, com a esperança que um dia ele nunca mais venha, ou volte renovado, porque por agora, entre promoções de detergentes, telenovelas e tábuas de engomar, está presa a um projecto de vida decadente e a um filho que se revela cada vez mais um idiota, triste resultado de uma gravidez não desejada, da ejaculação precoce, e da excitação alcoólica de dois ou três copos de vinho tinto barato a mais. O sol desce/lua sobe, a lua desce/sol sobe.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.