"A páginas tantas da vida, se me tivesses dito que o Mundo tinha sido invenção tua, eu tinha acreditado, não por ser lógico, mas sim pelo estado irracional dos momentos, não duvidaria que todas as coisas grandiosas que existem pudessem ter tido em algum momento o toque dessas pequenas mãos talentosas, por tanto acreditar nelas e nas palavras enfeitadas de ornamentos linguísticos, tiques, convicções e portões de castelo escancarados.
Tu, só tu, no fim das contas, acreditando que o amor existe e tem escala, quantidades mensuráveis, recordes, então foste tu, foste e sinto que serás sempre tu o meu limite. Há muito que já desapareceram as tuas marcas, os teus vestígios físicos já foram suave ou abruptamente diluídos pelo tempo, já não apanho cabelos teus na roupa de casa ou da rua, o teu perfume há muito que já abandonou a minha pele, as vidas já seguiram outros caminhos, o verão já terminou e as colchas de inverno são puxadas agora para outro destino, mas continuas presente, onde te guardo junto de outras tantas boas memórias, que prova que o amor nunca se apaga mas que mal (di)gerido pode facilmente tornar-se em doença incurável, patologia mental a roçar a loucura se por ela nos deixarmos dominar, deslocando-nos o centro de gravidade para mais perto do chão, arrastando-nos, colocando-nos de joelhos subservientes à dor, atacando-nos permanentemente de forma impiedosa sempre que a impossibilidade de um beijo se torna num doloroso facto consumado na nossa cabeça e que abraços e momentos se figuram como irrepetíveis, sufocantes, meras fotografias mentais cada vez mais esbatidas ou consumidas, em chamas."
Será então esse o lugar digno para um amor maior, um punhal cravado que teima em sair das nossas costas? Um mero resultado doloroso da sua privação? A consequência directa de uma jogada salvadora que ficou por fazer? Uma auto-punição constante por um qualquer esquizofrénico "erro crasso" que nos levou a sucumbir ao xeque-mate?
O tempo diz-nos que de nada servirá essa razão, a filosofia barata ou a irracionalidade de tentar apagar ou autopsiar os factos, a seu tempo, com paciência e sabedoria isso soará apenas a escape de quem tenta a todo o custo não querer sofrer. No fim, se não cedermos à loucura, ao devaneio, veremos que o que nos resta será sempre e inequivocamente apenas amor, mesmo que já extinto, datado, e aparecerá sempre, mesmo que não se queira, na imagem do sorriso do outro, da sua maneira de ser, da sua beleza, inteligência ou sentido de humor, memórias conjuntas e felizes de um passado que estranhamente, ou felizmente, depois de aceite já não provoca qualquer tipo de dor, angústia ou desespero, apenas uma espontânea e passageira saudade expressa fisicamente num por vezes inoportuno sorriso parvo de quem recorda um momento de felicidade em segredo:
"Nada amor, estava só a lembrar-me de uma coisa engraçada, então e afinal, sempre passamos no supermercado?"
(E são essas memórias que nos fazem bem à vida)
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