Quarta-feira, 14 de Outubro de 2009

Beijos igual a mil - (ad II)

 

 

Porque insistimos nós, seres (por vezes) questionavelmente racionais em teimar que a felicidade e o amor não passam de meras equações matemáticas, explicáveis, conhecidas e de fácil execução? Será que nós, humanos espartilhados dos nossos ímpetos por regras, pensamos não passar de simples fotocópias uns dos outros, de diferenças minúsculas, de mais ou menos brilho, de mais ou menos definição ou ruído em grão de papel (definido manualmente ou de consequência directa, contigencial, do nível de toner)? Será que também pensamos que as emoções se definem de tal forma?

 

Será que assumimos que a felicidade e o amor podem ser repetidos, como quem segue uma receita de Cozido á Portuguesa ? Será assim tão redutor (que não se ofenda o cozido)? Será que as relações humanas e no seu expoente máximo, o amor, não passam de um juntar ordenado de hortaliças, batatas, carnes variadas,  enchidos e temperos numa panela em que se obtém (quase sempre) o mesmo resultado que nos 10 cozidos anteriores ? Existirão realmente fórmulas de amar? E acreditamos nisso ? Poderemos nós repetir, fotocopiar, seguir a receita de sobremesa do adocicado de um determinado beijo com mil pessoas diferentes ? Será então um  beijo sempre o mesmo beijo ? E a intensidade será também obtida por tais métodos ? Todos os beijos serão então passíveis de tirar o fôlego ? Saberão então  ao mesmo todos os beijos copiados e formulados por tabela? Todos os beijos podem ser repetidos e catalogados como "um" se as pessoas forem  "parecidas" (como os ingredientes do cozido)? Ou será que o que apenas importa é o gesto mecânico de beijar ?

 

Penso que não será necessário recorrer a bases técnicas ou teóricas de manuais de Ciências Humanas, para assumir - sem preconceitos - que será impossível replicar na exactidão emoções, gestos e momentos perfeitos (felicidade) com todas as pessoas que habitam neste planeta na via láctea "plantado", porque  caso isso fosse possível, a felicidade estaria ao virar de todas as esquinas  (cada caso é um caso/cada pessoa é única... banal, óbvio, senso comum... mas estará posto em prática ?)

 

Sabemos de antemão que somos todos vampiros (de dentadinhas na alma), sugamos um pouco de tudo das pessoas com quem nos damos e a quem nos damos, aproximamo-nos das pessoas que por algum motivo nos fazem sentir ligados a elas, coisas diversas, músculos proeminentes, pernas compridas, mamas grandes, boa na cama, bom na cama, gosta das mesmas drogas que eu, come os mesmos doces, é loura, é gorda, usa óculos, é bonita, é lindo, usa saia, fica bem de calções, tem cabelo encaracolado em tubinhos, sem tubinhos, é careca, é inteligente, lê livros, tem livros a decorar a estante da sala, faz-me rir, faz-me vir, tem conversa interessante, é rude, diz "prontos" e "pecebos", gosta de música, gosta de som, gosta de sexo tântrico, de rapidinhas, lê poesia, escreve poesia, faz filmes, vê filmes, entra em filmes, faz-me filhos, toca guitarra, toca-me no ponto g, faz ponto cruz, percebe de água e de luz, gosta de carros, tem mota, tem skate, anda a pé, faz desporto, vê desporto, é a favor do aborto e só acende o churrasco com acendalhas... (nem entremos pelo campo "tem as mesmas folgas que eu, não tenho mais ninguém/é o que há")

 

...mas será realmente possível que duas pessoas que possuam os mesmos itens de preferências da nossa lista, nos conseguem fazer sentir o mesmo, um olhar, um beijo, uma cumplicidade, uma relação (um amor!) e obter assim um mesmo resultado como quem mistura leite com cereais de pequeno-almoço ?

 

Serão então os cereais de marca “X” iguais aos da marca “Y” visto que na caixa dizem ter os mesmos ingredientes ? Mas se forem, então porque razão comemos  sempre os mesmos ? E porque razão voltamos a correr ao supermercado quando a ingenuidade de que "tudo é igual" se desfaz à primeira colherada no prato cheio dos "outros mais baratos que custam só metade"?

 

É no mínimo perturbador pensar que se pega no Francisco e na Isabel et voilá, felicidade, e depois pega-se no Francisco e na Teresa, na Isabel e no Ricardo,  ambos de gostos semelhantes, aplica-se a fórmula mágica da felicidade e do amor e obtemos o mesmo resultado! Faz sentido ?! Seremos todos cereais da mesma marca e feitio ? Onde entram os de "marca branca" ? Sabemos que o amor e a felicidade são coisas complexas... difíceis de atingir...  trabalhosas... mas então porque motivo estamos nós colocar a fasquia tão baixa ? Porque motivo colocamos as coisas em planos tão simplistas ?


 

Resumo profilático, poético, sincero, sem objectivo de toldar pessoas, mudar hábitos/criar mudança... (e sem coisas de almas-gêmeas, destinos e outros...)

 

"Os beijos de ontem, não podem ser iguais aos beijos de sempre, num amor de cereais de pequeno-almoço com banda sonora de pianos, frases  feitas do passado que assim soltas perderam o seu sentido, pois estão fora do seu casulo, de jantares falsificados, com o retomar dos vícios ao sabor de música incomum, dos amigos inimigos e extemporâneos que nos sugam compaixão por serem egoístas de afectos e sedentos do amor que nunca sentiram - e invejam -  em películas revisitadas que no fundo jamais serão iguais, embora sejam as mesmas, com os mesmos actores e enredos, com risos e beijos parecidos nos mesmos  locais, fotocopiados, imitados nos mesmo pontos fixos do GPS, mas que obviamente já não são os mesmos. O passado, ferida aberta, assassina do sabor da vida quando não foi em vão, quando foi amor, aquele amor, o expoente máximo do amor, palavra sentimento e razão de ser, existir... e por isso... podemos rir, acreditar com convicção que somos felizes, enchendo a cabeça de repetições, formulas ou de ilusões, mas aquela  sensação estranha no peito que não sabemos bem o que é, estará sempre presente, tal como o último pensamento antes de adormecermos, todos os dias, que nos  diz baixinho, com a nossa própria voz: ____________... "

 


Sejamos então felizes... porque o amor é luta, é guerra de homens/mulheres convictos do seu valor... ou esqueçamos então estas linhas e continuemos impávidos e serenos a repetir e a acreditar em fórmulas de felicidade em loop... felizes a comer os indigestos e baratos cereais de segunda  escolha... o que importa, afinal, é ter a boca cheia... não é ?

 

 

 

ROMEO AND JULIET - "Making Movies"

Dire Straits - Mark Knopfler


A lovestruck Romeo sing a streetsuss serenade
Laying everybody low with a lovesong that he made
Finds a convenient street light steps out of the shade
Says something like you and me babe how about it?

 

Juliet says hey it's Romeo you nearly gimme a heart attack
He's underneath the window she's singing hey la my boyfriend's back
You shouldn't come around here singing up at people like that
Anyway what you gonna do about it?

 

Juliet the dice was loaded from the start
And I bet and you exploded into my heart
And I forget the movie song
When you gonna realise it was just that the time was wrong Juliet?

 

Come up on different streets they both were streets of shame
Both dirty both mean yes and the dream was just the same
And I dreamed your dream for you and now your dream is real
How can you look at me as if I was just another one of your deals?

 

When you can fall for chains of silver you can fall for chains of gold
You can fall for pretty strangers and the promises they hold
You promised me everything you promised me thick and thin
Now you just say oh romeo yeah you know I used to have a scene with him

 

Juliet when we made love you used to cry
You said I love you like the stars above and I love you till I die
There's a place for us you know the movie song
When you gonna realise it was just that the time was wrong Juliet?

 

I can't do the talk like they talk on the TV
And I can't do a love song like the way it's meant to be
I can't do everything but I'd do anything for you
I can't do anything except be in love you

 

And all I do is miss you and the way we used to be
And all I do is keep th beat and bad company
All I do is kiss you through the bars of a rhyme
Juliet I'd do the stars with you any time

 

Juliet when we made love you used to cry
You said I love you like the stars above I'll love you till I die
And there's a place for us you know the movie song
When you gonna realise it was just that the time was wrong Juliet?

 

A lovestruck romeo sings a streetsuss serenade
Laying everybody low with a lovesong that he made
finds a convenient streetlight steps out of the shade
Says something like you and me babe how about it?

 

(vale a pena ouvir em formato de qualidade, as lágrimas que rolem durante a sua audição - caso existam - serão humanas, facilmente enxutas pelas mangas da camisola ou guardanapo de papel)

 

 

 


Mr Anger às 15:00
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71 comentários:
De Beatriz a 14 de Outubro de 2009 às 18:34
Um magnifico blog, sem dúvida. E não, o q importa não é ter a boca cheia... Porque jamais obterás a mesma satisfação ao comer um prato vegan em detrimento de um belo bife. ;)

Acho que a partir de agora serei uma leitora deste cantinho *


De Mr Anger a 19 de Outubro de 2009 às 22:44
Cara Beatriz,

Obrigado pelas palavras... e pela promessa de estar atenta aos escritos... olhe que o prometido é devido... (ou de vidro?)

Volte sempre, a cozinha está disponível para o que quiser cozinhar... carne, peixe & outros :)


Mr Anger


De Alguém a 14 de Outubro de 2009 às 20:13
Não há sentimentos iguais nem muito menos relações... um dos motivos é esse mesmo: o clássico "não há pessoas iguais".
Basta cada um analisar uma relação amorosa que tenha presentemente ou qualquer outra no passado. O amor que sentimos pela outra pessoa é igual desde o primeiro dia até ao presente e/ou último? Não, nunca é, no entanto a outra pessoa é a mesma.
Assim sendo, como podemos classificar 2 relações de iguais?


De Mr Anger a 27 de Outubro de 2009 às 23:19
Alguém,

A dúvida/questão navega e afunda-se por esse mar tão sobejamente conhecido, se as pessoas são todas únicas, e as relações também elas merecedoras de identidade própria, porque razão se age de forma tão esquizofrénica :)


Mr Anger


De Alguém a 31 de Outubro de 2009 às 13:54
Se calhar sim, somos todos um pouco esquizofrénicos... uns mais saudáveis que outros! :p


De S a 14 de Outubro de 2009 às 23:02
K bem que escreve mr anger.. parabéns.
Essa música traz-me boas recordações. De..alguém.

Não há nada que possa ser comparado a um beijo verdadeiro...verdadeiro no sentido de ser recheado de sentimento, puro, verddaeiro, intenso..e a forma de o saber distinguir das marcas brancas, é saber a falta que nos faz, quando não o temos, quando o perdemos.
Há que preservá-lo enquanto podemos...

I can't do everything but I'd do anything for you
I can't do anything except be in love you

S


De Mr Anger a 27 de Outubro de 2009 às 23:43
Cara S,

Não nos devemos queixar do que já não temos (embora por vezes eu pareça um saudosista lamechas, isto são textos) nem viver no fatalismo de que tudo o que é bom "acaba" sempre por terminar (pois não é regra nem excepção)

Acredito que devemos viver prontos para receber beijos e murros, pois só assim vivemos plenamente... e sim, as "coisas" verdadeiras sabem sempre melhor, mas para isso não basta querer ou estalar os dedos, as coisas verdadeiras e puras são recompensas, um reflexo da nossa própria existência, do modo que levamos a nossa vida (velho dilema de ter um Ferrari e não ter dinheiro para o sustentar/"mãos" para o conduzir)

Fique pelo sofá da sala, escolha um filme, mas não se sente na poltrona, sou como os gatos, cioso das minhas coisas :)

Mr Anger


De S a 28 de Outubro de 2009 às 22:31
Não, não nos devemos queixar do que já não temos.. Temos é que saber estimar, e dar o devido valor ao que temos...O que nem todos nós fazemos, n acha Mr Anger?

Uma bom noite..e sim ficarei no Sofá mas apareça antes do filme começar :)

S


De Mr Anger a 29 de Outubro de 2009 às 00:50
Cara S,

Sim, acredito que muita gente não o faz, de qualquer forma eu sou apologista de: "cada um tem o que merece" e "quem boa cama faz nela se deita"...

Uma cobra por mais que tente ter pernas não consegue... mas se conseguisse, também deixava de ser cobra :)

Olhe que mais vale meio filme bom que filme inteiro mau :)


Mr Anger


De S a 30 de Outubro de 2009 às 23:29
Sem dúvida Mr Anger, melhor meio filme bom do que filme inteiro mau. Subscrevo e assino :)

Tenha uma boa noite e continue a escrever.. aprecio imenso a sua escrita.

Küsses


De S a 14 de Outubro de 2009 às 23:09
*


De Mr Anger a 28 de Outubro de 2009 às 01:26
#


De Blá, Blá, Blá... a 15 de Outubro de 2009 às 09:06
Sinto uma profunda ilusão de conhecer, como a palma das minhas mãos, os protagonistas do retrato, beijando-se.

Optimisticamente falando: Dá invariavelmente mau resultado!


De Mário Pataco a 15 de Outubro de 2009 às 10:43
Excelente Post MR... :)
Gostei da perspectiva que dás a toda essa "logística" a que chamam de amor...
E sob a tua visão e pelo desenrolar do mundo, cada vez mais se come para se encher a boca... "Já não se vai à caça pela qualidade mas sim pela quantidade..."

Gostei..
Congrat*


De Mr Anger a 27 de Outubro de 2009 às 23:55
Caro Mário Pataco,

Eu gosto de prato cheio mas bem cozinhado (como se costuma dizer, quero tudo a que tenho direito), ou seja, qualidade de preferencia em quantidade, mas nada de vice-versas :)

Obrigado pelo comentário, volte sempre ;)

Mr Anger


De anomada a 15 de Outubro de 2009 às 12:00
Não quero comentar... Só consigo chorar compulsivamente... Será que Deus incorporou Mr. Anger e comunica comigo via net?


De Mr Anger a 27 de Outubro de 2009 às 23:59
Cara Anomada,

Costuma-se dizer que Deus está em toda a parte, por isso, quem sou eu para dizer que ele não está também em mim..

Chorar faz bem, desde que seja pelos motivos certos, espero que seja o caso ;)


Mr Anger


De anomada a 28 de Outubro de 2009 às 00:58
Como você é sábio, Mr. Anger!... Não esperava resposta sua, mas repare bem no efeito que as suas palavras provocaram em mim... Você sabe que tem um dom e usa-o muito bem. Parabéns!


De ee a 15 de Outubro de 2009 às 15:17
gostei


De Mr Anger a 28 de Outubro de 2009 às 01:29
Eu também (este Mr Anger é fabuloso, devia escrever um livro e lançar um disco)...


... ups!

Mr Anger (obrigado)


De Sonia a 15 de Outubro de 2009 às 22:36
Perfeito...


De Dionízio a 16 de Outubro de 2009 às 12:47
Como é bom ler coisas perfeitas para que a nossa vida continue a poder ser imperfeita...


De Mr Anger a 28 de Outubro de 2009 às 01:31
Cara Sónia,

O quê ? Porquê ? (e gosta ?)


Mr Anger (porque existe sempre um "mas", uma porta entreaberta, um copo meio-vazio, meio-bebido, meio-esquecido, meio-cheio)


De ÂNIA a 16 de Outubro de 2009 às 21:46
Desculpa o comentário mas pareces-me alguém um pouco confuso com os seus próprio sentimentos, ou pensas que mais alguém sente o mesmo....não se pode ter tudo, mas toda a gente sabe que e assim que é a vida, e mesmo sem querer-mos transmitir ao próximo assim acaba por acontecer, as vezes as marcas brancas sao as melhores, pois essas não teêm muita publicidade e acabam por saciar a fome da mesma maneira... o resto cabe a cada um defenir aquilo que realmente sente...sem muitos rodeios nem méntiras o que normalmente acontece aos cereais mais caros, que é muita publicidade e pouca verdade não são tão bons quanto parecem...Para poucas palavras bom entendedor...os meus agradecimentos pelos seus pensamentos.


De Mr Anger a 28 de Outubro de 2009 às 01:23
Caro/a Ânia,

Gostei bastante do seu ponto de vista, desarmou-me o pensamento :) até porque consumo productos de marca branca com alguma regularidade sem me queixar e de facto a publicidade enganosa e o marketing agressivo das grandes marcas são coisas que me causam asco... mas, de qualquer forma, como deve ter percebido - e depois de recuperar os sentidos - eu estava a falar de bogalhos... mesmo com exemplo de alhos... :)

Venha mais vezes... ou então fique, mas opine (nem que seja por pombo correio :))


Mr Anger (o consumista)


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