Jorge queria amar, sempre quis amar, e desde novo acreditava que o amor era o sentimento mais humano, o mais nobre e o mais puro de todos. Jorge dificilmente amava alguém pelos cânones, não se dava facilmente a qualquer pessoa, pois respeitava a integridade do sentimento e da palavra "amo-te". Isso não o impedia de nada, apenas não punha tudo no mesmo saco, tinha os seus casos, os seus one night stands, a espera do click que despoletasse o amor. A adolescência acabou, chegou a idade adulta (física e mental), o peso emocional das coisas, e com o passar dos anos o aproximar da barreira invisível dos 30. As relações descartáveis – acumuladas – começaram a deixar de fazer sentido, estava farto de relações temporárias, da facilidade do sexo descomprometido á última hora, não queria mais orgasmos "unplugged" sem a electricidade característica do amor, sem aquela faísca no momento em que 2 corpos se tocam, se unem, mágica, indescritível, que acontece tão raras vezes – preciosas vezes – que só acontece quando é verdadeiro, que não se atinge com a experiência, ou apenas com tentativas - se assim fosse todas as putas seriam felizes.
Jorge queria esse amor, o que ele acreditava ser o verdadeiro amor, o puro, o romântico, o dos poetas, dos filmes, das músicas, o sentimento de abraçar alguém nos seus braços e conhecer-lhe o cheiro, o sabor, o amor que é feito dos pequenos gestos, não de preços de etiquetas cortadas de pulôveres de marca, já não lhe interessavam mais estatísticas, prémios ou medalhas por quantidade de parceiras sexuais.
Jorge cansou-se do sentimento inócuo de "mais um caso", do facilitismo de mais um número no telefone, de mais uma "sexy", "fofah" ou "baby" no msn, de mais uma noite a consolar carências, de paixões de limpa-almas, sentia-se um prostituto, estava farto das conversas de sempre, dos jogos de engate de sempre, da superficialidade de sempre, dos momentos efémeros, queria para si os momentos eternos e únicos. Jorge queria momentos a dois, registados em mensagens e bilhetes religiosamente guardados na gaveta das recordações e também junto ao peito, registados em álbuns de fotografias (a dois), escrevinhados nas lombadas com datas e locais, queria molduras na secretaria do trabalho e fotografias tipo passe na carteira, queria wallpapers no desktop e alianças de ouro branco. Jorge não queria apenas dar, queria dar-se, sem barreiras, medos ou mentiras, não queria o "sagrado amor" fútil de casamentos de Igreja, sem sal, oportunista (não generalizando), não queria o "amor" por motivos materiais, sociais, ou por questões de IRS, não queria o "amor" porque "tenho 35anos, não consigo comprar uma casa sozinho e quero ter um filho", Jorge queria o amor e a vida na plenitude máxima, vivida a dois, partilhada a 2, queria Las Vegas, queria Paris, queria beijos longos, quentes, intensos, queria a vida no limite, sem limites, ultrapassando os limites, queria sexo, drogas e rock n' roll, queria o "Último Tango em Paris", o "Titanic", o "Nove Semanas e Meia", o "Assassinos Natos" o "Bonnie and Clyde" e o "Dirty Dancing" misturados em copos de shot, servidos a arder, para os 2 beberem num trago, de olhar cúmplice um no outro (e um amo-te)... Jorge queria um abraço forte ao chegar a casa, um olhar meigo a dizer "és a pessoa mais importante do Mundo, não quero mais ninguém, amo-te", "esperei por ti toda a vida", "sem ti, não faz sentido..."
Jorge, precipitou-se nessa busca, a busca da sua vida, uma busca incessante, Jorge queria conquistar e merecer esse verdadeiro amor, a verdade no amor, e encontrou pessoas que lhe disseram que sim, que também queriam isso, que não era imaginação dele, que partilhavam o mesmo ideal (sim, estou contigo), e então diziam-lhe na cara "Amo-te", "És a pessoa mais importante do Mundo", "não posso viver sem ti" e Jorge enchia o peito de amor e flutuava... mas não importava se subia devagar ou não - temerário - essa escada da felicidade, pois depressa a descia, aos trambolhões e percebia que toda a gente conseguia dizer impunemente "amo-te", mas ninguém conseguia transformar a palavra em magia, em sentimento, e por isso Jorge afastava-se, revoltava-se, pois no fim de contas a verdade era ilusão - desilusão - as pessoas eram as mesmas de sempre - camufladas - desrespeitavam o amor, o sentimento, alimentavam-se da sua alma e viviam de mentiras, sem valores, egoístas com os seus mundos mesquinhos, corações impenetráveis e umbigos egocêntricos, mentes viciadas apenas no prazer dos momentos, sem pensar, como se fossem eternas crianças mimadas e "amar fosse um brinquedo" (tal como diz a canção)... Um brinquedo que magoa...
Um dia em casa olhou-se ao espelho, e não contemplou apenas o reflexo, olhou-se nos olhos e pensou "talvez tenham razão, amar assim é doença, afinal o que é o amor? O amor não é nada, não existe sentimento mais ou menos nobre, o amor é apenas uma palavra, não tem moralidade, é um punhado de sensações, mentiras e meias-verdades, como um analgésico para a alma, que não cura, apenas inibe a dor, não existe honra em nada disso, é físico, é sexo, é uma invenção dos poetas, nunca poderá existir "Romeu e Julieta" na vida real, só em livros, é tudo imaginação".
Jorge estava conformado com a sua nova realidade, e empenhado a "amar" como via os outros amarem, observou todas as regras, tentou entender os truques, as fintas e percebeu que no fundo não interessa gostar de alguém, basta dizer amo-te, como se isso desbloqueasse um outro nível, primeiro gosta-se, depois adora-se, depois diz-se "i love you" e depois amo-te, não tinha um significado mais complexo do que uma banal forma de ascensão de jogo de computador, depois percebeu que também não interessava dizer a verdade, pura e dura, por mais ingénua que fosse, que não tinha de ficar com medo de ter peso na consciência, ou outras coisas parvas que ele pensava, pois jura-se e está feito, cumpre-se ou não, pouco importa, é apenas um tapa-olhos – e nem sequer era preciso fazer figas – mais uma vez o "prometido é devido" da canção era apenas poesia.
Jorge sentia-se de outro planeta, embriagado, era tudo demasiado estranho, demasiado confuso, podia-se amar sem se sentir, podia-se jurar sem ser verdade, podia-se mentir (mesmo olhos nos olhos) apenas por ser mais fácil, podia-se amar apenas por dar jeito, apenas porque o sexo era bom, porque não existia mais ninguém ou porque não havia mais nada para fazer. Aos poucos Jorge foi ficando doente, como se o seu peito estivesse a ser esmagado, e a sua cabeça, tal como numa ressaca, lentamente voltava ao seu estado normal... Jorge viu-se novamente em frente a um espelho, de candeeiro a brilhar nos olhos e pensou...
"Muito bem, não há volta a dar, não consigo ser o contrário, ir contra os meus princípios, talvez seja difícil ser feliz vivendo assim nos dias de hoje, talvez seja um sonho de futuro amar e viver assim, mas que se pode fazer, venero o amor, respeito-o, não sou compatível com a traição, com a mentira nem com a falsidade, sinto-me bem por ser verdadeiro, por ser honesto, dizer a verdade, e embora isso me traga algumas desilusões, dói menos que acreditar que nada existe e andar por aí perdido, um humano desumanizado, um autómato... E o engraçado disto tudo é que no fundo ninguém me diz que estou errado... aliás toda a gente me diz que estou certo, que é assim que se tem de viver a vida e o amor, que é isso que também procuram, mas no fim ninguém o cumpre... ou tem medo de cumprir..."
Jorge olhou-se fixamente durante minutos, muitas coisas lhe passaram pela cabeça, lavou a cara e dirigiu-se para o sofá da sala, ficou por ali acordado até de madrugada, na companhia de cigarros e Jack Daniels. Quando o sol já subia no horizonte, pegou nas chaves da moto, lançou um beijo com a mão ao olhar para trás e saiu com as chamas a devorarem a carpete fofinha da sala...
...pessoas à porta do prédio disseram à Polícia que minutos antes alguém tinha saído a rir-se a gargalhada, mas isso foi o que contaram...
Numa parede das redondezas, passados poucos dias, alguém escreveu a preto baço com contraste…
"...que nunca se menospreze o amor..."
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.