Do Verão esperámos sempre o sol, e o calor, do amor a paixão, da vida a felicidade.
Em dúvidas fora-de-horas, o quotidiano lança a semente, a dúvida, a pulga atrás da orelha que nos impele a mexer-nos, a levantar os braços aterrados sobre a mesa, o emergir da cabeça por entre os ombros, o olhar no horizonte, o restart cerebral na forma de bifurcações mentais, pensamentos a percorrer o desconhecido, encruzilhadas, e a eterna pergunta: "será possível?"
A vida é pródiga em exemplos de sucesso e insucesso, de boas e más decisões e da causa-efeito desses atos, onde o arriscar é nublado e incerto: "podes perder tudo", mas onde o deixa-andar amordaçado acaba sempre num suspiro: "isto não é vida".
Arranjamos sempre desculpas para o nosso insucesso, e normalmente culpamos a conjuntura ou terceiros, arranjamos sempre factores externos ao esforço para explicar o sucesso dos outros, e olhamos para o nosso próprio sucesso, numa dicotomia bipolar entre o desacreditado "nem acredito na sorte que tive" ao egocêntrico "o azeite vem sempre ao de cima".
Vivemos assim, não num Submarino amarelo, mas dentro de uma enorme máquina de lavar roupa, num eterno programa da lavagem, onde num rodopio se misturam a incerteza e a tacanhez. A incerteza, do medo de perder tudo, de falhar, perante nós e perante os outros e a tacanhez do conforto de não sair do mesmo sitio, de não arriscarmos, de não saltarmos do balcão do bar - onde nos afundamos e refugiámos em copos meio-cheios - para a pista de dança, para mostrar e arriscar aquilo que somos e almejamos atingir, incluindo, se assim tiver de ser, de cair e de falhar.
felicidade. verdade. amor. paixão. vodka. tequila silver. tequila gold. shots de absinto. praia. campo. lua. sol. guitarras. canções. sofás. colchões. chuveiros. suspiros. gargalhadas. sorrisos.
E auto-estradas sem fim, estradas nacionais secundárias de alcatrão derretido, percorridas de janela aberta, com o vento quente do Verão a soprar nos nossos pescoços, a fazer esvoaçar roupas e cabelos selvagens, de pele bronzeada de outros dias, intensos, óculos de sol a camuflar o brilho do sol, o brilho dos olhos, a minha mão a passar pela tua perna ao meter mais uma mudança, o motor a embalar esta nossa dança serpenteante por entre montanhas e vales, ou em rectas infinitas de planície, paisagens itinerantes pintadas de cinzento e verde, pintadas de cor de deserto, caqui, de horizontes azuis ou vermelhecidos, de restaurantes e cafés, de quartos de hotel, pousadas e albergues, onde chegamos cedo, onde chegamos tarde, de onde apressadamente fugimos para mergulhos em piscinas a aproveitar os últimos raios de sol do dia, desse dia, beijos ao pôr-do-sol, a repetir no próximo - na inevitabilidade do irrepetível - vivendo e aproveitando o presente, num acumular de sapatos e mochilas empoeirados de tanto andar, de roupa de praia ensopada de água do mar, bolsos cheios de areia da praia, de vestígios do crime de ser feliz, perante uma plateia de espectadores desconhecidos.
Tudo o que ficam são flashes, impulsos eléctricos que com o tempo vão deixando cair o sabor, e se transformam apenas numa imagem desfocada, onde nós estamos ao centro, e a que chamamos memórias, a que chamamos, saudade.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.