Observava eu os comportamentos sociais de quem se pensava livre de vigília quando nas trivialidades de quem trabalha ou finge que o faz, me deparo com esta imagem… alguém de responsabilidade, patente cravada no peito - ou pelo menos no ego - coloca na boca um comprimido da desgraça…
O homem drunfou-se… mesmo á minha frente… rodeado de colegas e compinchas com quem compartilha o almoço requentado no refeitório ISO9001 lá do burgo… Triste… decadente…
O seu olhar esbugalhado devia-me ter feito suspeitar da utilização de medicação dura e diária, mas nunca levei para esses lados, pensei apenas em demência inerente à pressão e cacofonia peculiar dos call centers… mas pelos vistos era mais grave… aquele homem transportava a dor e a loucura juntas… ele drunfou-se, não aguentou a pressão, as palpitações nem os suores frios… teve de ser, não conseguiu esperar por uma visita rotineira à casa de banho ou fingir que ia ver se o homem do parquímetro andava na zona em busca de prevaricadores… não resistiu… retirou do bolso do fato a pequena gamela, pressionou uma das cápsulas e desfez a ténue capa de alumínio – “crack” - mesmo ali, debruçado para a frente na sua secretária… com as mãos recolhidas por debaixo dela (mas não invisíveis)...
Num movimento breve, dissimulado, meteu-o na boca, apenas a reflexão da garganta me deu a confirmação que o engoliu... sim porque não era uma pastilha, era um drunfo... o homem drunfou-se no seu local de trabalho... talvez para o conseguir suportar... e ainda nem era período de almoço...
Pobres vidas que se arrastam por gabinetes e corredores... pobres de nós…
As misérias dos outros acalentam as nossas
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