Estávamos em 1972, já cheirava a Abril, mas ainda faltava, era provavelmente Janeiro. Camuflado no escuro da noite, de trincha e lata de tinta vermelha na mão, alguém escreveu por entre sombras de candeeiros foscos :
amo-te
Apenas isso, simples... deliciosamente simples, na pedra mármore da parede do Nº12 de um prédio da cidade.
No bairro nunca se soube quem tinha sido o autor de tal vandalismo, ou para quem, nem os rumores coscuvilheiros arranjaram um culpado. O senhorio não vivia perto, só viu tal obra passado alguns meses, e pouco se importou, tinha mais interesse em exigir a renda atrasada ao 2º Esq. O arrendatário desse rés-do-chão também não deu uso ao esfregão, pensou ele que com o tempo se apagaria...
Enganou-se, ou quis enganar-se - por preguiça - e o manifesto de amor desconhecido, feito em pouco mais de 2 minutos ali se manteve, aguentando-se ao sabor dos anos, do sol e da chuva, aos muitos cartazes sobrepostos e das muitas costas refasteladas contra ela em 2 dedos de conversa - ignorando a sua presença. Nem as obras do prédio e uma pintura atabalhoada já no Sec. XXI a fizeram desaparecer.
Que significado terá tido aquela mensagem, aquele gesto ? E na vida de quem ? Terá alguma vez sido lida pela pessoa a quem se dirigia ? E será que o amor ali apregoado ainda hoje perdura, ou terá perecido mais cedo que as palavras ? É nessa indefinição, nesse mistério que se encontra a sua beleza…
O vermelho sangue empalidou-se, está agora completamente absorvido pelo espaço, apenas visível aos olhos de quem quer ver, e só quem consegue ver consegue sentir, e só quem sente, sabe o quanto vale um simples e genuíno gesto de amor... mesmo que seja vândalo…
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