Estávamos em 1972, já cheirava a Abril, mas ainda faltava, era provavelmente Janeiro. Camuflado no escuro da noite, de trincha e lata de tinta vermelha na mão, alguém escreveu por entre sombras de candeeiros foscos :
amo-te
Apenas isso, simples... deliciosamente simples, na pedra mármore da parede do Nº12 de um prédio da cidade.
No bairro nunca se soube quem tinha sido o autor de tal vandalismo, ou para quem, nem os rumores coscuvilheiros arranjaram um culpado. O senhorio não vivia perto, só viu tal obra passado alguns meses, e pouco se importou, tinha mais interesse em exigir a renda atrasada ao 2º Esq. O arrendatário desse rés-do-chão também não deu uso ao esfregão, pensou ele que com o tempo se apagaria...
Enganou-se, ou quis enganar-se - por preguiça - e o manifesto de amor desconhecido, feito em pouco mais de 2 minutos ali se manteve, aguentando-se ao sabor dos anos, do sol e da chuva, aos muitos cartazes sobrepostos e das muitas costas refasteladas contra ela em 2 dedos de conversa - ignorando a sua presença. Nem as obras do prédio e uma pintura atabalhoada já no Sec. XXI a fizeram desaparecer.
Que significado terá tido aquela mensagem, aquele gesto ? E na vida de quem ? Terá alguma vez sido lida pela pessoa a quem se dirigia ? E será que o amor ali apregoado ainda hoje perdura, ou terá perecido mais cedo que as palavras ? É nessa indefinição, nesse mistério que se encontra a sua beleza…
O vermelho sangue empalidou-se, está agora completamente absorvido pelo espaço, apenas visível aos olhos de quem quer ver, e só quem consegue ver consegue sentir, e só quem sente, sabe o quanto vale um simples e genuíno gesto de amor... mesmo que seja vândalo…
De
mímica a 18 de Dezembro de 2008 às 20:22
Gostei muito do texto. Às vezes diz-se mais através de uma única palavra, do que com discursos e discursos cheios de nada. Feliz Natal e um próspero Ano Novo!
Passei por aqui para ver o blogue e gostei imenso dos textos, cheios de qualidade e bom-gosto. Tudo se vê com agrado e prazer. Boa semana com tudo de bom.
De Sindarin a 18 de Dezembro de 2008 às 21:56
Espectacular. Simplesmente perfeito.
Óptimo texto que dá que pensar. Muito bem escrito e por isso gostei.
Cumprimentos e feliz Natal,
Carlos Alberto Borges
Excelente texto, parabéns....
Bom natal
Jorge
Olá, recebi um convite e vim ver, apreciei a escrita e a temática. O sentido aqui da palavra amor. Intenso...
Um abraço
Caro Mranger...
Tiveste a coragem de escrever e publicar ..
Eu consigo escrever...mas não consigo publicar.
subscrevi um blog..nunca consegui começar.
Obrigado por mostrares aquilo que ainda não consegui...
força...
De
Mr Anger a 21 de Dezembro de 2008 às 22:52
Caro Aldir,
Tecnicamente já fez o mais difícil, agora falta o principal, publicar, e satisfazer a sua vontade.
Não se preocupe com o resto, seja feliz.
Boas festas
Mr Anger
De Anónimo a 18 de Dezembro de 2008 às 23:47
Primeiro pensei que o blog se lia M Ranger e deduzi ir encontrar um espaço bélico, ou de recordações militares. Mas, aprofundei o tempo de leitura e, parabéns, porque encontrei um lugar de repouso, com uma escrita que nos deixa agarrados. talvez como aquela velha tinta, que a parede se esforça for não deixar apagar. Quando se sente é difícil partir.
Anger, não sei quem é, mas é, certamente, um Mr (monsieur) em escrita.
e chamam lhe com cada coisa...ao amor....
gostei
brilhante
De
filipe a 19 de Dezembro de 2008 às 08:38
OLá.Obrigado pelo convite, Quanto a este post, que está muito bom por sinal, só um pequeno comentário, O pintor da palavra simplesmente pintou a razão da sua existência. Abraços.
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