Sábado, 22 de Novembro de 2008

Pede um desejo Rita...

 

Rita sempre soube que iria ser bonita, sempre lhe disseram isso, desde pequena, se se lembrasse, desde o berço, e as fotos afixadas no quadro de cortiça, com várias idades, não mentiam. Com o passar dos anos cresceu, na adolescência ganhou corpo de mulher, linda, os rapazes não a largavam, as amigas invejavam-na, e ela gostava e cultivava tudo isso. Teve a sorte de quase não ter acne, pele perfeita. Os pais, que já a tiveram tarde, trabalhavam das 9h00 as 18h00, não podiam ver o que fazia durante essas longas horas do dia, as chamadas da mãe a perguntar se tinha almoçado não eram suficientes, sabiam que tanta falta de controle não podia ser bom, mas o que se pode fazer quando não há alternativa ? Á mesa de jantar, durante o Telejornal ou o jogo de futebol tentavam compensar a ausência com um:

 

- “Então filha, hoje a escola correu bem ? Como foi o dia hoje ? Estás melhor a Matemática e Português ?!”

 

Na escola nunca foi uma estudante brilhante – quando não se estuda também não e difícil - lá ia passando, com uma, duas negativas, boletins de notas capturados sabiamente da caixa do correio,  falsificação da assinatura da mãe com destreza, nas justificações de faltas – o pai não tinha muita paciência para ser encarregado de educação -  e um 9º ano repetido, segundo ela pelos professores não gostarem dela. Com os 18 anos a maioridade, mas nada de novo, desde os 13 anos que pensava ser uma “mulherzinha”, que fumava cigarros, com 15 anos ganzas e álcool, com os 18 anos apenas já não precisava de meter a mini-saia dentro da mala para vestir quando saísse á noite de casa, para os pais não verem, e já não precisava de tapar os decotes.

 

Rita deu-se a vida como se vida tivesse acabado ontem, drogas leves, drogas duras, químicos feitos no bairro que nem categoria de droga deviam ter, sexo fortuito, uma tatuagem de algo parecido a um golfinho na omoplata – ou seria apenas uma mancha azul e cinza ? - e um piercing de brilhantes com o símbolo da “Playboy” no umbigo, trabalhos feitos por um dos namorados, que tinha jeito para essas coisas – tão comum. Os pais nada podiam fazer, bater não batiam, e ralhar não doía. Nunca teve a sorte de encontrar alguém que lhe desse uma direcção, podia ter tido por sorte um namorado de jeito, mas onde ? Não no bairro, e mesmo fora dele a sua maneira de vestir e falar afastava qualquer rapaz mais sério - e com menos más intenções - e para já, ela pensava ser aquele o caminho certo, como se pode mudar quando não queremos a mudança ?

 

As noites de fim-de-semana eram caóticas, saídas em carros cintilantes, conduzidos por rapazinhos de chapéu “Nike”, que apenas queriam mostrar a virilidade com o prolongamento do seu próprio ego – e pénis – conduzindo sem consciência, lado a lado com a morte, e a Rita ria-se, muito longe do seu estado normal, sentada no banco do pendura – a sua beleza dava-lhe esse status. Embora tivesse dado um estalo num ou outro, e fizesse cara feia quando ouvia isso numa discussão, ela sabia que era fácil, demasiado fácil, e os rapazes também sabiam, nunca guardou a distância necessária do respeito que qualquer mulher deve ter de si própria sobre os outros. Os rapazes pouco se interessavam pelos problemas dela, apenas queriam o corpo, o sexo grátis,  um traço de coca e uma garrafa de “Ballantines” abriam-lhe as defesas nas noites mais difíceis.

 

Tinham passado pouco mais de 2 meses de ter feito os 19 anos, uma prenda fora de prazo veio na forma de uma gravidez não desejada - tão comum - e o seu primeiro plano de visita ao estrangeiro, Badajoz, pagos com as poupanças da mãe e da tia, as únicas a saberem além das amigas – que posteriormente espalharam a notícia por todos lá do bairro – tão comum. Antes disso, a dúvida de quem seria o pai, poderia ser qualquer um, foram tantos, nunca chegou a saber ao certo, desconfiava de 2 ou 3, mas o risco das relações desprotegidas era mais forte que as consequências que daí advinham… Jurou à mãe que iria ter cuidado, que iria trabalhar, fazer-se á vida… e foi. Aos 21 anos engravidou novamente, deu-lhe o nome de Carlos, como o pai, preso 2 meses antes do bebé nascer, numa rusga feita pela Brigada de Narcóticos lá no bairro, dizem que foi denúncia, apanhou 4 anos de prisão…

 

A Rita perdeu-se cedo, achou-se rainha de uma noite que pensou que fosse eterna, mas que não foi, nunca é…


Mr Anger às 15:00
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De ana a 27 de Dezembro de 2008 às 09:33
Bem, não há palavras suficientes para expressar o quanto fiquei impressionada com este texto e com o blog...
Acho que nunca encontrei um blog tão bom, com textos tão criativos e com que eu me identificasse tanto...
Espero que continue assim, a deliciar-nos com os seus maravilhosos textos...


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