As sirenes em correria das ambulâncias e carros de policia ecoavam no horizonte próximo, em avanços, recuos e mudanças de direção bruscas, serpenteando entre as ruas, buzinadelas de "chega para lá", roteiros percetíveis pelas variações do eco do seu grito de alerta, e João, filho da Dona Fátima, estava no quarto deitado, longe desse bulício, ainda afogado no absurdo do absinto, adormecido mas sem conseguir dormir, numa manhã que acordava sem raios de sol, porque o céu nasceu nublado, com um leve filtro de cinzento claro a cobrir toda a paisagem, sem vento, nem frio.
Maria João, separada do mundo por tijolos cimento e azulejos, perdia mais do que os seus habituais 15 minutos - os mínimos olímpicos - a aplicar uma maquilhagem convincente, e com isso, atropelava-se numa correria contra o relógio, entre o quarto e a casa de banho, para num último instante, em 2 atos, enfiar-se dentro de um vestido, e como por magia, ficar pronta, com apenas míseros 7 minutos de atraso (com sorte não apanharia trânsito naquele maldito semáforo),
O Sr. António já passeava na rua e passava os rotineiros olhares românticos e orgulhosos sobre o seu carro semi-novo, foram décadas a levantar-se às 6h30, não seria a reforma a mudar os velhos hábitos, fazia desde cedo a ronda diária à rua, depois de ter ido comprar o pão fresco, o jornal e o maço de tabaco deixou de comprar na papelaria faz perto de 5 anos, substituiu o vicio por raspadinhas, o médico diz que foi o melhor que ele fez, a mulher e os seus cortinados da sala corroboram (as noticias passou a ver no telemóvel e no tablet). O Sr. António sabia qual funcionamento diário de todos os vizinhos do prédio, as movimentações do "quem e a que horas", sabia também a trajetória exata do Sol durante todos os meses e estações do ano, e quais os melhores lugares de estacionamento da rua para proteger a pintura do carro dos maliciosos raios UV.
Um miúdo fazia birra em plena calçada, e demonstrava a plenos pulmões que não queria ir para a escola, "que isso não podia ser todos os dias", e o pai respirava fundo e tentava explicar-lhe, mais uma vez, que os meninos vão para a escola e ele tinha de ir trabalhar, que não havia alternativa, que era assim, e depois suspirava, do fundo da alma, com o peso dos problemas dos adultos em cima dos ombros, e por não querer, igualmente, ir trabalhar.
A meio da manhã, o Sol fintou as previsões meteorológicas e já beijava a face de todos, por entre janelas e vidraças, incluindo o carro do Sr. António.
(João dormia profundamente)
Pior que mal-fodido é mal-amado
É preciso ter calma, muita calma e começarmos por aceitar a nossa verdadeira dimensão, o facto de que não passamos de um simples grão de areia encavalitado noutro grão de areia, perdidos algures pelo Universo. Completamente insignificantes, estatisticamente irrelevantes.
Só a partir daí, desse ponto, podemos ambicionar evoluir para qualquer coisa perto do verosímil.
A taxa de sobrevivência na selva é directamente proporcional à tua capacidade de adaptação
A verdade matemática não explicava nada, os anos das datas de nascimento impressos nos cartões de ambos não coincidiam, embora os meses estivessem caprichosamente perto e a década fosse a mesma. Não existem subterfúgios, a vida e os seus indecifráveis planos e circunstâncias, juntou-os, separou-os e inesperadamente juntou-os de novo, neste caso para unir, num acaso de pormenores e coincidências, pequenos jackpots do jogo da vida. A verdade é que alguém tinha medo de se dar, apenas porque já se tinha dado outras tantas vezes e as mesmas tantas vezes tinha-se dado mal. Alguém já não se queria dar mais - assim - porque a vida é de partilha e não de compromissos de "novela da noite" ou de espartilhos de liberdade.
Alguém jurou que nunca mais se permitiria a ser paquete turístico em escala no mar do amor, na pasmaceira da obrigatoriedade de uma média ponderada (indexada a uma qualquer Euribor de romance) de contactos diários e das recorrentes demonstrações de afecto para internautas & outros verem, e mesmo que a navegar ao sabor da maré, iria certamente afastar-se da correnteza naufragante dos ciúmes e das subsequentes figuras patéticas que por aí assombram.
Alguém aprendeu com alguém que o amor é uma coisa bonita, cheia de ingenuidades e castelos cor-de-rosa, mas não tão perfeito como anunciam, isso, alguém aprendeu com outro alguém. No fim a felicidade não se importa com definições estrangeiras de amor ou paixão.
Alguém reparou que a vida dá-nos sempre, se formos justos, aquilo pedimos e que de certa forma, fazemos por merecer. Alguém aprendeu a assumir e a não julgar os defeitos dos outros, a ser mais tolerante e a não estabelecer nas relações uma garantia vitalícia baseada em coisas que nos ultrapassam, mas apenas porque gostamos de estar com alguém que simplesmente ouve, sente e pensa em sintonia connosco, e que nos aceita, ou tolera, em quase todos os feitios, sobretudo nos péssimos, de manhã ao acordar e ao fim do dia, e que nos fazem sentir melhores pessoas, não apenas por palavras, mas nos pequenos e grandes gestos que nos fazem crescer, abraços e beijos que nos fazem sentir compreendidos, e porque não, amados...
...isso ou apenas mais uma bola de neve a deslizar do cume do Evereste!
YOU CAN'T ALWAYS GET WHAT YOU WANT - "Let It Bleed"
Richards / Jagger
Se te limitares a aprender apenas o que te querem ensinar, nunca vais saber realmente nada.
Quando chegares aos 67, faz log-off.
(e fecha a porta)
Se passares a vida a fazer apenas aquilo que te pedem, nunca passarás de um escravo.
Nunca apontes uma arma a um gajo que tem as mãos nos bolsos
A velha ao meu lado tem a fralda cagada,
Estou preso a esta assento, mortalha
Entro em apneia. Respiro!
Perco a batalha...
Conversas triviais ao telemóvel,
No banco de trás do transporte
Palavras avulsas que me obrigo a ouvir, num desatino,
Por imposição de um tom de voz desproporcional á situação,
O resto é indecifrável,
Um misto atabalhoado de sons
Não percebo crioulo,
À minha frente um intenso ataque de tosse
Convulsões, espirros, fungadelas
Todo um misto de doenças à la carte,
Entro as fezes da velha e a doença
Reparto esta apneia,
Esta teia,
Chega a minha vez
Stop! Parto. Respiro.
A cidade é minha aldeia
A verborreia assalariada dos apostadores da léria da sorte dos concursos de azar, euromilhões de milhões de gananciosos apostadores num shot de nada, sonho paupérrimo da ínfima possibilidade de mudar aquilo que nunca deixarão de ser - miseráveis de espírito - defende a pés juntos que já o sabe e vomita em qualquer conversa, da banal mesa de café á secretária administrativa de mogno da multinacional onde exploram e são explorados que: "o dinheiro não é tudo"
No entanto, no marasmo de emoções estéreis e avarentas em que se tornaram todos os segundos da sua existência, esquecem-se constantemente - ou fazem-se de esquecidos - que na verdade - na mais pura das verdades - os momentos únicos não possuem etiqueta, são inquantificáveis monetariamente, e que o que se faz com o tempo é - paradoxalmente - imensurável. Esquecem-se sistematicamente, obtusos na ganância, que um restaurante de luxo não passará nunca de um restaurante, taberna, casa de pasto, tasco, lugar onde se passa e paga demasiado, e que por mais bela vista panorâmica que tenha não chegará nunca aos calcanhares de sandes abocanhada no sopé da montanha, em plena natureza primaveril, que nenhuma piscina interior, aquecida e desinfectada, baterá alguma vez o mergulho - espontâneo e livre de amarras e azulejos - no rio, que nenhum bólide alemão, na pura definição do prolongamento do ego mal resolvido, poderá alguma vez rivalizar com o chaço empoeirado da nossa juventude, repleto de ferrugem e sonhos, revisões fora da marca, sem receios de avarias, e que o tempo contado, matemático, esse será sempre o mesmo, sejam 60 segundos de Rolex ou de Timex fajuto da Praça de Espanha, pois o que fazes com ele é que realmente define o seu valor, e no fim importa! Calvin Klein's com manchas de sémen ressequido serão sempre cuecas, pano amarrotado com manchas de sémen ressequido, apenas isso e as memórias dessa noite, só a boa ou má experiencia perdura e segue, estrada fora, vida fora, na eternidade efémera ou não das coisas.
Lê o livro, faz o filme, visita, vibra, grita, canta, sua, corre, pula, ama, que o dinheiro é vicio, a ganância do consumo um jogo de azar, um dado viciado onde apostas tudo, até a vida, (sempre) para perder.
(Abre os olhos!)
MONEY - "Dark Side of The Moon"
Roger Waters
Money, get away
Get a good job with more pay and you're okay
Money, it's a gas
Grab that cash with both hands and make a stash
New car, caviar, four star daydream
Think I'll buy me a football team
Money, get back
I'm all right Jack keep your hands off of my stack
Money, it's a hit
Don't give me that do goody good bullshit
I'm in the high-fidelity first class traveling set
And I think I need a Lear jet
Money, it's a crime
Share it fairly but don't take a slice of my pie
Money, so they say
Is the root of all evil today
But if you ask for a raise it's no surprise
That they're giving none away
Away, away, way
Away, away, away
Por mais peças que mandes abaixo, no Xadrez só ganhas quando derrubas o Rei.
Aperaltados, azucrinados, desfigurados sem absolvição. Em que biblioteca acumula pó o livro do saber? E quem o leu? Onde moram as pessoas reais? Para onde vai o imposto audiovisual? Quais as minhas percentagens de consumo e despesa na sociedade? Onde está guardada a minha ficha e quem a consulta? Porque raio ninguém acerta na meteorologia? Porquê esperar sorte num jogo que se auto-intitula de azar? Há de facto publicidade não enganosa? Qual o seu real propósito? O arroz basmati também chega aos pobres e sem-abrigo da ajuda alimentar? E importa?
Regra n°1:
Nunca emprestes dinheiro, nunca fies droga
Cidade suja, fétida, de calçadas povoadas de fezes caninas, beatas, pastilhas elásticas na forma de pequenos borrões pretos espalmados no chão, de transportes públicos nauseabundos corridos de bancos almofadados embebidos em suor ressequido, de viagens populadas de pisadelas e empurrões que num vai e vem esquizofrénico de arranques desenfreados e travagens bruscas te levam e arrastam a lugar algum, vomitando, num refluxo gástrico de entradas e saídas, pessoas aos magotes, paragem a paragem, vida a vida.
Cidade porca, imunda, afogada de pensamentos podres, ideias requentadas, habitada por cadáveres e seu ideais mortos, enfeitada de publicidades ávidas por mais um centavo, só mais uma dose, só mais um dízimo teu, crente da santíssima sagrada igreja capitalista de Wall Street, só mais uma moeda em troca da absolvição pela ganância que te corrói, só mais uma moeda para te acalmar as ânsias, para saboreares mais um pouco daquele sentimento artificial e fugaz de satisfação. Cidade poluída, cinzenta, de cheiro a esgoto e fumo, cidade vândala, vandalizada, de feridas a céu aberto, marcada de cicatrizes, golpes assassinos assinados por desconhecidos egocêntricos, pequenos guinchos tímidos de revolta desnorteada, inconsequentes, esboços de falsa rebeldia por toda a parte, riscados na parede e vincados no vidro.
Cidade da vergonha e da mentira, cidade da miséria e miserável, de mendigos, pedintes, solitários sem refúgio, sem esperança, terra de assaltantes e assaltados, de exploradores e explorados. Cidade de destroços, de casas devolutas, em queda, curvadas sobre si próprias, monumentos sem ego, decadentes, de estátuas e memórias abandonadas em jardins de piso gretado e erva daninha. Cidade megalómana e altiva, rainha sem trono nem coroa, mulher da rua, cidade maldita, cidade minha (?)
"Não obstante o discurso coerente pró direitos cívis e favorável aos ventos moderados de uma hipotética sociedade mais justa, a presente incorreu em prática de infracção punível com coima ao fazer-se deslocar em transporte público colectivo sem apresentar na sua posse título de viagem válido para o percurso, aquando da sua solicitação por parte de equipa de fiscalização (vulgo "picas").
"Para a próxima tens de obliterar Joana", pensei eu, cadavérico e velhaco, envolvido em tecidos vincados com ares de luxo italiano, reais obras primas da manufactura em série de uma qualquer fábrica do norte do país.
Um "conto" em moeda antiga nos dias de hoje? Não dá nem pra matar o vício dos malditos "garrets" fumados em cascatas densas de fumo.
- "Atinja-me por favor com um automático do euromilhões e um Ventil!"
DANTES - "78/82"
Tim - Xutos
Dantes o tempo corria lento meu
Dantes, matava-se o tempo teu
Fumava-se um cigarro
Matava-se o tempo
Bebia mais um copo
Matava-se o tempo
Segurava paredes
Matava-se o tempo
Poliam-se calçadas
Matava-se o tempo
Dantes o tempo corria lento meu
Dantes, matava-se o tempo teu
Mas tudo isto passou
Foi o tempo que me matou!
Dantes o tempo corria lento meu
Dantes matava-se o tempo teu
Fazia-se um curso belo
Dentro do tempo
Fazia-se um namoro
Tudo a seu tempo
Arranjava-se casa
Ao mesmo tempo
Fazia-se uma vida
Dentro do tempo
Dantes o tempo corria lento meu
Dantes matava-se o tempo
Mas tudo isto passou
Foi o tempo que me matou!
Não sou mendigo
Sou teu grande amigo
Tenho Empréstimo bancário garantido
Tenho curso universitário concluído
Gosto do Ronaldo, Eusébio e Figo
Acredito no senhor e no cupido
Tenho o ultimo modelo de carro conhecido
Tomo notas no tablet porque sou esquecido
Tudo o que tenho na vida é merecido
Digo que sou "realista" e não "convencido"
Sucumbo ao álcool, tabaco e comprimido
O meu iogurte tem bifidus activo
Sou bom pai, filho e marido
Uso GPS para não andar perdido
Uso jeans ao domingo, estilo descontraído
Todo o filme da moda é o meu preferido
Sou tecnologicamente evoluído
Quem vai à frente nas sondagens é o meu partido
Apostas ao som da carta batida
Latido de cão doente
Falência renal ao sair dos trintas
Será que vives, ou só tentas?
E a pressão de um filho nos braços, aguentas?
Falácias, sonhos, fugazes euforias
Amor eterno por quem morres ate findar
Cama do amor, do sexo que fazias
Onde tantas vezes sorrias
Onde acabaste a chorar
Carro novo, carro velho
Ganhar pouco, desemprego
Amar pouco, amor eterno
Esquizofrenicamente vives
Tu, eterno desesperado
Estás velho
Gordo
Cabeça careca
Precocemente enferrujado
Quem tu queres enganar, enganado?
LOSER - "Mellow Gold"
Carl Stephenson Beck
In the time of chimpanzees I was a monkey
Butane in my veins so I'm out to cut the junkie
With the plastic eyeballs, spray paint the vegetables
Dog food stalls with the beefcake pantyhose
Kill the headlights and put it in neutral
Stock car flamin' with a loser and the cruise control
Baby's in Reno with the vitamin D
Got a couple of couches sleep on the love seat
Someone keeps sayin' I'm insane to complain
About a shotgun wedding and a stain on my shirt
Don't believe everything that you read
You get a parking violation and a maggot on your sleeve
So shave your face with some mace in the dark
Savin' all your food stamps and burnin' down the trailer park
(Yo cut it)
Soy un perdedor
I'm a loser baby so why don't you kill me?
Soy un perdedor
I'm a loser baby, so why don't you kill me?
Forces of evil in a bozo nightmare
Banned all the music with a phony gas chamber
Cause one's got a weasel and the other's got a flag
One's got on the pole shove the other in a bag
With the rerun shows and the cocaine nose job
The daytime crap with the folksinger slop
He hung himself with a guitar string
Slap the turkey neck and it's hangin' on a pigeon wing
You can't write if you can't relate
Trade the cash for the beef for the body for the hate
And my time is a piece of wax fallin' on a termite
Who's chokin' on the splinters
Soy un perdedor
I'm a loser baby so why don't you kill me?
(Get crazy with the Cheeze Whiz)
Soy un perdedor
I'm a loser baby so why don't you kill me?
(Drive-by body pierce)
(Yo bring it on down)
(I'm a driver I'm a winner things are gonna change I can feel it)
Soy un perdedor
I'm a loser baby so why don't you kill me?
(I can't believe you)
Soy un perdedor
I'm a loser baby so why don't you kill me?
Soy un perdedor
I'm a loser baby so why don't you kill me?
Sprechen Sie Deutche, baby)
Soy un perdedor
I'm a loser baby so why don't you kill me?
(Know what I'm sayin'?)
Como poderia eu começar se o que apenas me interessava era o fim, o producto acabado, o resultado? Como poderia eu desenhar ou construir a estrada se a minha sede era de apenas sentir o alcatrão já usado e seguro, com marcas de travagem a indicar as curvas perigosas, mais facilmente respeitáveis que meros avisos e sinaléticas do senso comum? Como poderia eu arriscar, se sempre me deixei guiar pelo confortável e pelo sentido de oportunidade apurado?
A verdade, se é que existe realmente uma, é que me vou sempre safando, e também, que amo profundamente, da maneira mais pura e verdadeira que conheço - simplesmente hilariante - as coisas, sinto por isso que conheço bem as bases em que se constrói e destrói o amor e também que a minha inépcia ditará (sempre) o seu fim. Será isto choradinho de misericórdia ? Será um apontar do dedo ao espelho ? Será o eterno complexo de culpa de que todos padecemos, mais ou menos, de forma intensa ?
Claro que não, são apenas merdas que eu penso, diariamente, por norma sempre antes do almoço, por isso, deve ser fome.
(quando mistificamos o sentido das coisas, encontramos significado em tudo)
Só presto contas ao velho de barbas que vive no céu e que dali, do cocuruto do espaço rege toda a minha vida, só presto contas a essa figura omnipresente que vive na atmosfera, só ele me pode julgar por toda a merda terrena onde me meto e que faço, só esse velhote barbudo me pode dar a absolvição eterna, lá do alto, bem alto onde só chegam as minhas preces e os aviões de longo curso. Só esse velhadas sem acesso a gilletes, residente no reino dos céus (e na cabeça colectiva de quem acredita) é que topa realmente tudo!
(e o resto são cantigas, certo?)
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