"Shiu!" era tudo o que António queria ouvir, um "cala-te" transmitido em forma de abraço, sem beijo ou palavras, e assim nesse silêncio talvez conseguir encontrar conforto e respostas, aspecto onde aparentemente as bocas e as palavras falhavam de forma redundante.
"...Tenho-te aqui a meu lado
do lado esquerdo do peito
a pensar em ti eu acordo
a sonhar contigo me deito..."
Mas da pueril inocência do seu amor desfeito surgiam apenas dúvidas, e tudo o que lhe saía da alma eram coisas sem sentido ou por demais revisitadas, como os poemas "ABAB" deprimentes que escrevinhava nos cantos dos envelopes das contas por pagar, pontos de vista desfocados, pouco objectivos, dispersos, gritos de revolta que não queria calar, mas que ela já não estava mais lá para ouvir, sentada no cadeirão de verga a apanhar os primeiros raios de sol da manhã enquanto ele espremia laranjas para o pequeno-almoço, ou no sofá da sala, na cama, na imperfeição da escolha de copos e talheres diferentes na mesa do jantar, pois saiu, porta fora, com escova de dentes e parte dele dentro da mala de campismo vermelha, roçada das aventuras, com poeira do último verão Algarvio e um coração desenhado por dentro a esferográfica azul, com as iniciais separadas por um "+", recordações de brincadeiras adolescentes das suas vidas adultas e sonhadoras... pois agora ela não estava mais ali, saiu, senhora de si, formalmente distante, longe das calças de desporto e top domingueiros, confiante no que fazia, cada vez mais longe, nessa espiral de escadaria até ao piso térreo do prédio, e António ali ficou, desolado, de braços caídos, rosto cabisbaixo numa surda tempestade de desilusões, vencedor totalista de uma viagem só de ida até ao inferno (sem sequer lançar aposta), sem direito ao prazer de sentir prazer, a espera que um dia, por compaixão ou desprezo, ela lhe entregasse a parte dele que levou com ela, e que, da forma mais pura de todas, ele partilhava...
- “Calma António, calma!! Respire fundo, beba um copo de água, tome um calmante, o amor não existe, é apenas um artifício, espalhe a semente meu amigo, espalhe a semente…”
- “Mas eu amo-a!!”
- “Ama-a...?! Sabe lá você o que diz... seja um homenzinho, cresça... isso da monogamia e amor eterno são coisas do tempo da outra senhora, faça pleno usufruto de tudo a que tem direito, incluindo, obviamente, das mulheres... não seja tacanho...”
E um punho cerrado perfez uma curva no ar, acabando, de forma abrupta nessa boca (supostamente) sábia, seguido de um chorrilho de impropérios demasiado obscenos - mas óbvios - desencadeados pelos elevados níveis de testosterona e também, a bem da verdade, de indignação...
- "Se eu digo que a amo é porque a amo!!! Guarde para si a panaceia dessas tretas pós-modernas, quero Romeu e Julieta de Shakespeare, percebe ?!?! PERCEBE?!?!?”
E que mais podia dizer o doutor naquela situação, se não dizer que sim, e posteriormente, pôr-lhe uma acção em Tribunal...
OUVI DIZER - "O Monstro Precisa de Amigos"
Ornatos Violeta - Manuel Cruz
Ouvi dizer que o nosso amor acabou
Pois eu não tive a noção do seu fim
Pelo que eu já tentei,
Eu não vou vê-lo em mim
Se eu não tive a noção de ver nascer um homem
E ao que eu vejo,
Tudo foi para ti
Uma estúpida canção que só eu ouvi
E eu fiquei com tanto para dar!
E agora
Não vais achar nada bem
Que eu pague a conta em raiva!
E pudesse eu pagar de outra forma
Ouvi dizer que o mundo acaba amanhã,
E eu tinha tantos planos pra depois!
Fui eu quem virou as páginas
Na pressa de chegar até nós;
Sem tirar das palavras seu cruel sentido
Sobre a razão estar cega,
Resta-me apenas uma razão,
Um dia vais ser tu
E um homem como tu,
Como eu não fui,
Um dia vou-te ouvir dizer:
E pudesse eu pagar de outra forma! Sei que um dia vais dizer
E pudesse eu pagar de outra forma!
A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte,
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas,
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura,
Ora amarga, ora doce,
Pra nos lembrar que o amor é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!
Já sei que isto não se pede, e que mais tarde ou mais cedo acabamos sozinhos a gritar um com o outro e que já existem por aí alminhas a afinar pianos para tocarem a marcha fúnebre no tom mais negro de todos, quando essa hora chegar, esse fim pelos vistos mais que definido. Já nos avisaram disso de todas as maneiras possíveis, que não vai dar certo, que não pode dar certo, até no horóscopo daquela revista de fofocas que a tua mãe costuma comprar e que tinhas perdida no teu carro, debaixo do assento do pendura, apenas acessível do banco de trás... lembras-te certo ?!
Também já sei que vamos sofrer, vamos sofrer imenso e que vamos chamar nomes um ao outro e possivelmente mandar coisas à cara, físicas e verbais (não somos inexperientes nessas lides) e que depois disso tudo, de nos amarmos e zangarmos, regressaremos cabisbaixos à compaixão recalcada dos nossos amigos de sempre, que com ares de pais sisudos nos vão apontar o dedo e dizer:
- "eu tinha-te avisado que isso ia acontecer, sabes bem que no fim dependemos sempre de nós! Os/As homens/mulheres são todos/todas iguais, é tudo uma cambada de cabrões/putas!!"
E muito mais "blá blá blá" sobre coisas que já ouvimos vezes demais, lengalengas sabidas de cor e salteado, e que nós até já lemos de relance em estudos de suplementos da imprensa escrita semanal ou diária... mas... se isso de facto já está escrito, certo e bem definido para amanhã... que tal aproveitar o hoje com tréguas, sem fogo inimigo e amigo, sem mais explanações sobre coisas aborrecidas, egocêntricas e no fim, desoladoras e sem sal... será que nos podemos salvar ?!
Não é preciso muito, apenas o habitual, só um bocadinho, como temos feito sempre... um abraço e um beijo, um adoro-te sentido (para não atropelarmos o amor e o que ele significa, e manter assim o peso leve da paixão sobre os ombros) e um jantar à luz do candeeiro da sala... vá, eu faço o jantar e levo o vinho, faz-nos só esse favor, esse jeitinho, e direi como nas promessas de criança, inocentes e verdadeiras, que "se me salvares prometo que te salvo a ti", de todas as maneiras possíveis e assim ficamos quites... e felizes... já nos traçaram e mataram o futuro, mas será que pelo menos podemos viver (e aproveitar) o presente?!
(E ao telefone, por entre palavras, com e sem nexo, convergentes de carinho, surgem os estrangeirismos... ao qual nosso amor é nativo)
- "Queres matar saudades de mim mon amour ?!"
- "Oui oui, toujours!"
SAVE TONIGHT - "Desireless"
Eagle Eye Cherry
Go on and close the curtains
All we need is candlelight
You and me and a bottle of wine
Going to hold you tonight
We know I'm going away
How I wish....wish it weren't so
Take this wine & drink with me
Let's delay our misery
Save tonight
And fight the break of dawn
Come tomorrow
Tomorrow I'll be gone
There's a log on the fire
And it burns like me for you
Tomorrow comes with one desire
To take me away....it's true
It ain't easy to say goodbye
Darling please don't start cry
'Cause girl you know I've got to go
Lord I wish it wasn't so
Save tonight
And fight the break of dawn
Come tomorrow
Tomorrow I'll be gone
Tomorrow comes to take me away
I wish that I......that I could stay
Girl you know I've got to go
Lord I wish it wasn't so
Save tonight
And fight the break of dawn
Come tomorrow
Tomorrow I'll be gone....
"Não fales mais... não fales demais... meu amor... deixa-me sentir-te a alma, sei que é estúpido dizer isto, parece conversa de poeta aprisionado em quarto almofadado… mas sei que percebes o que digo...
Deixa-te estar só assim, aconchegada, o tempo que quiseres ter o teu corpo nos meus braços... deixa-me passar a mão pelo teu cabelo, prendê-lo suavemente atrás da orelha, e sentir a tua respiração... és linda aos meus olhos (será que realmente o sabes ?)... e eu só quero estar assim, a ver-te ali, perfeita nesse imagem... nem sei bem como o dizer, como explicar a paz e o amor.
Acho que estamos numa sala qualquer, num sofá, talvez o teu, ou talvez no conforto desconfortável dos assentos paralelos do carro, com travão de mão ligeiramente aliviado e manete das mudanças engatada em terceira, mas isso são questões físicas, descartáveis para a ocasião, que pouco importam...
Serás sempre a minha princesa (acho que não aceitas isso)... e a memória do toque da tua pele não basta... mas tem de servir...
Demasiado doce... demasiado suave... realmente demasiado bom para ser verdade...
Não me belisques já... por favor... só mais 5 minutos..."
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