Domingo, 7 de Março de 2010

Silêncios ensurdecedores

 

"Shiu!" era tudo o que António queria ouvir, um "cala-te" transmitido em forma de abraço, sem beijo ou palavras, e assim nesse silêncio talvez conseguir encontrar conforto e respostas, aspecto onde aparentemente as bocas e as palavras falhavam de forma redundante.


"...Tenho-te aqui a meu lado
do lado esquerdo do peito
a pensar em ti eu acordo
a sonhar contigo me deito..."


Mas da pueril inocência do seu amor desfeito surgiam apenas dúvidas, e tudo o que lhe saía da alma eram coisas sem sentido ou por demais revisitadas, como os poemas "ABAB" deprimentes que escrevinhava nos cantos dos envelopes das contas por pagar, pontos de vista desfocados, pouco objectivos, dispersos, gritos de revolta que  não queria calar, mas que ela já não estava mais lá para ouvir, sentada no cadeirão de verga a apanhar os primeiros raios de sol da manhã enquanto ele espremia laranjas para o pequeno-almoço, ou no sofá da sala, na cama, na imperfeição da escolha de copos e talheres diferentes na mesa do jantar, pois saiu, porta fora, com escova de dentes e parte dele dentro da mala de campismo vermelha, roçada das aventuras, com poeira do último verão Algarvio e um coração desenhado por dentro a esferográfica azul, com as iniciais separadas por um "+", recordações de brincadeiras adolescentes das suas vidas adultas e sonhadoras... pois agora ela não estava mais ali, saiu, senhora de si, formalmente distante, longe das calças de desporto e top domingueiros, confiante no que fazia, cada vez mais longe, nessa espiral de escadaria até ao piso térreo do prédio, e António ali ficou, desolado, de braços caídos, rosto cabisbaixo numa surda tempestade de desilusões, vencedor totalista de uma viagem só de ida até ao inferno (sem sequer lançar aposta), sem direito ao prazer de sentir prazer, a espera que um dia, por compaixão ou desprezo, ela lhe entregasse a parte dele que levou com ela, e que, da forma mais pura de todas, ele partilhava...


 - “Calma António, calma!! Respire fundo, beba um copo de água, tome um calmante, o amor não existe, é apenas um artifício, espalhe a semente meu amigo, espalhe a semente…”

 - “Mas eu amo-a!!”

 - “Ama-a...?! Sabe lá você o que diz... seja um homenzinho, cresça... isso da monogamia e amor eterno são coisas do tempo da outra senhora, faça pleno usufruto de tudo a que tem direito, incluindo, obviamente, das mulheres... não seja tacanho...”


E um punho cerrado perfez uma curva no ar, acabando, de forma abrupta nessa boca (supostamente) sábia, seguido de um chorrilho de impropérios demasiado obscenos - mas óbvios - desencadeados pelos elevados níveis de testosterona e também, a bem da verdade, de indignação...

 

 - "Se eu digo que a amo é porque a amo!!! Guarde para si a panaceia dessas tretas pós-modernas, quero Romeu e Julieta de Shakespeare, percebe ?!?! PERCEBE?!?!?”

 

 

E que mais podia dizer o doutor naquela situação, se não dizer que sim, e posteriormente, pôr-lhe uma acção em Tribunal...

 

 

 


OUVI DIZER
 - "O Monstro Precisa de Amigos"

Ornatos Violeta - Manuel Cruz
 

Ouvi dizer que o nosso amor acabou
Pois eu não tive a noção do seu fim
Pelo que eu já tentei,
Eu não vou vê-lo em mim
Se eu não tive a noção de ver nascer um homem
 

E ao que eu vejo,
Tudo foi para ti
Uma estúpida canção que só eu ouvi
E eu fiquei com tanto para dar!
E agora
Não vais achar nada bem
Que eu pague a conta em raiva!
 

E pudesse eu pagar de outra forma

 

Ouvi dizer que o mundo acaba amanhã,
E eu tinha tantos planos pra depois!
Fui eu quem virou as páginas
Na pressa de chegar até nós;

Sem tirar das palavras seu cruel sentido
Sobre a razão estar cega,
Resta-me apenas uma razão,
Um dia vais ser tu
E um homem como tu,
Como eu não fui,
Um dia vou-te ouvir dizer:  
 

E pudesse eu pagar de outra forma! Sei que um dia vais dizer
E pudesse eu pagar de outra forma!

 

A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte,
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas,
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura,
Ora amarga, ora doce,
Pra nos lembrar que o amor é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!

 

 


Mr Anger às 17:45
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39 comentários:
De Mr Anger a 15 de Março de 2010 às 13:54
Que resposta tão "esquisita" :D

Acho que faltam aí estrelas... (digo eu, que só jogo jogos de mesa e bolsa - não de bolso, leia-se)


Mr Anger (classy classy)


De Apenas..reticencias a 15 de Março de 2010 às 16:12
As estrelas ficam a seu cargo."We were but stones,... your light made us stars..."
Veja la se mesmo com a chave certa oferecida de mão beijada não erra todos os numeros ao lado...:D



De Mr Anger a 18 de Março de 2010 às 04:53
Sinceramente, embora simpatize com os sons celestiais de uns Fender Lace-Sensor, excelentes para sons limpos ou overdrives, adoro (de coração) uns bons humbuckers, preferencialmente os da Seymour Duncan (SH-4, SH-6 Alnico Pro II, 59´s). O "modernismo" dos EMG´s activos já não me seduz tanto, embora sejam também "grandes máquinas".

Mr Anger (mas o meu amor é "blonde"...)


De Prestidigitadora a 18 de Março de 2010 às 10:57
Hein?!Mr. não sei o que andou a beber...mas bateu lhe forte.


De Mr Anger a 18 de Março de 2010 às 12:56
Ai que piadão :D

Epá é que nota-se mesmo que é uma pessoa de pensamento fora do comum, quem é que se ia lembrar de dizer uma coisa dessas tão... tão "fora do normal" :D

Volte sempre (se a porta estiver fechada... faça o habitual)


Mr Anger


De Prestidigitadora a 18 de Março de 2010 às 14:41
Arrombo-a, que é o que as pessoas "fora do normal" da minha laia fazem.:D
Amar o que é escrito e simultaneamente odiar quem o escreve faz de mim esquizofrenica bipolar?

"Ai que piadão" "Epá" que rústico o Mr tá a precisar de um banho ( de cidade) .


De Mr Anger a 26 de Março de 2010 às 15:47
Olá,

Não gosto muito de levar banhadas, nem de chorar pecadilhos ;)

Ame as palavras, opinião de:


Mr Anger (o mal-amado)


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