Quando o Inverno começa, quando o Outono acaba, quando o Verão já se tornou numa imagem distante, diluída no horizonte, ao fundo, na curvatura da Terra quando olhamos para trás, por cima do ombro, então sabemos que acabou, sabemos que será uma boa memória, uma recordação a juntar às restantes - com clip para não perder - para reviver noutros dias, quando fecharmos a porta e seguirmos em frente, seja qual for o caminho, sabemos que os nossos seguem separados e que dificilmente nos cruzaremos de novo, mesmo num Mundo (ridiculamente) pequeno como este, sabemos que certas coisas apenas estão e ficam bem quando permanecem presas no tempo e no espaço, como uma fotografia eternamente estática...
Nunca transformes um sonho num pesadelo...
UM CASO MAIS - "Terra Firme"
Trovante - Luís Represas
Enquanto foi só um bom momento deu
Enquanto foi só um pensamento meu
Deus, deu só num caso forte a mais
Enquanto achavamos graça ao que se escondeu
E as horas eram mais longas do que a verdade
Fez parecer só outro caso mais
Enquanto for só ternura de Verão
Eu vou,
Enquanto a excitação der para um carinho
Eu dou, traz
Uma leveza ah
Mas concerteza eu dou
Um outro melhor bom dia
Já trocámos nortadas por vento sul
Enquanto demos risadas foi-se o azul
Nem sei qual deles foi, azul demais
Mas não ficará só a sensação de côr
Nem sei o que o coração irá dizer de cor
Se o Inverno for, depois, duro demais
Éramos tão novos,
A paixão mal cabia no coração,
E doía a dor,
Matava de sede e de fome
O amor
Éramos tão bons,
Chorávamos das mentiras novas,
E doía o peito,
Prensado com o peso
De coisas ingénuas
Éramos tão bonitos,
De pele esticada na praia,
De pele escurecida e salgada,
De corpos desnudos sem medo
Éramos eternos,
Em jogos nesse areal,
Com bandas sonoras perfeitas,
Com pores-do-sol no final
Éramos tão felizes,
Tão bons
Tão novos, bonitos e eternos
Éramos,
Mas já não somos...
Rita sempre soube que iria ser bonita, sempre lhe disseram isso, desde pequena, se se lembrasse, desde o berço, e as fotos afixadas no quadro de cortiça, com várias idades, não mentiam. Com o passar dos anos cresceu, na adolescência ganhou corpo de mulher, linda, os rapazes não a largavam, as amigas invejavam-na, e ela gostava e cultivava tudo isso. Teve a sorte de quase não ter acne, pele perfeita. Os pais, que já a tiveram tarde, trabalhavam das 9h00 as 18h00, não podiam ver o que fazia durante essas longas horas do dia, as chamadas da mãe a perguntar se tinha almoçado não eram suficientes, sabiam que tanta falta de controle não podia ser bom, mas o que se pode fazer quando não há alternativa ? Á mesa de jantar, durante o Telejornal ou o jogo de futebol tentavam compensar a ausência com um:
- “Então filha, hoje a escola correu bem ? Como foi o dia hoje ? Estás melhor a Matemática e Português ?!”
Na escola nunca foi uma estudante brilhante – quando não se estuda também não e difícil - lá ia passando, com uma, duas negativas, boletins de notas capturados sabiamente da caixa do correio, falsificação da assinatura da mãe com destreza, nas justificações de faltas – o pai não tinha muita paciência para ser encarregado de educação - e um 9º ano repetido, segundo ela pelos professores não gostarem dela. Com os 18 anos a maioridade, mas nada de novo, desde os 13 anos que pensava ser uma “mulherzinha”, que fumava cigarros, com 15 anos ganzas e álcool, com os 18 anos apenas já não precisava de meter a mini-saia dentro da mala para vestir quando saísse á noite de casa, para os pais não verem, e já não precisava de tapar os decotes.
Rita deu-se a vida como se vida tivesse acabado ontem, drogas leves, drogas duras, químicos feitos no bairro que nem categoria de droga deviam ter, sexo fortuito, uma tatuagem de algo parecido a um golfinho na omoplata – ou seria apenas uma mancha azul e cinza ? - e um piercing de brilhantes com o símbolo da “Playboy” no umbigo, trabalhos feitos por um dos namorados, que tinha jeito para essas coisas – tão comum. Os pais nada podiam fazer, bater não batiam, e ralhar não doía. Nunca teve a sorte de encontrar alguém que lhe desse uma direcção, podia ter tido por sorte um namorado de jeito, mas onde ? Não no bairro, e mesmo fora dele a sua maneira de vestir e falar afastava qualquer rapaz mais sério - e com menos más intenções - e para já, ela pensava ser aquele o caminho certo, como se pode mudar quando não queremos a mudança ?
As noites de fim-de-semana eram caóticas, saídas em carros cintilantes, conduzidos por rapazinhos de chapéu “Nike”, que apenas queriam mostrar a virilidade com o prolongamento do seu próprio ego – e pénis – conduzindo sem consciência, lado a lado com a morte, e a Rita ria-se, muito longe do seu estado normal, sentada no banco do pendura – a sua beleza dava-lhe esse status. Embora tivesse dado um estalo num ou outro, e fizesse cara feia quando ouvia isso numa discussão, ela sabia que era fácil, demasiado fácil, e os rapazes também sabiam, nunca guardou a distância necessária do respeito que qualquer mulher deve ter de si própria sobre os outros. Os rapazes pouco se interessavam pelos problemas dela, apenas queriam o corpo, o sexo grátis, um traço de coca e uma garrafa de “Ballantines” abriam-lhe as defesas nas noites mais difíceis.
Tinham passado pouco mais de 2 meses de ter feito os 19 anos, uma prenda fora de prazo veio na forma de uma gravidez não desejada - tão comum - e o seu primeiro plano de visita ao estrangeiro, Badajoz, pagos com as poupanças da mãe e da tia, as únicas a saberem além das amigas – que posteriormente espalharam a notícia por todos lá do bairro – tão comum. Antes disso, a dúvida de quem seria o pai, poderia ser qualquer um, foram tantos, nunca chegou a saber ao certo, desconfiava de 2 ou 3, mas o risco das relações desprotegidas era mais forte que as consequências que daí advinham… Jurou à mãe que iria ter cuidado, que iria trabalhar, fazer-se á vida… e foi. Aos 21 anos engravidou novamente, deu-lhe o nome de Carlos, como o pai, preso 2 meses antes do bebé nascer, numa rusga feita pela Brigada de Narcóticos lá no bairro, dizem que foi denúncia, apanhou 4 anos de prisão…
A Rita perdeu-se cedo, achou-se rainha de uma noite que pensou que fosse eterna, mas que não foi, nunca é…
"Reflection" (auto-retrato) 1985 - Lucian Freud
Ontem vi-te
pelo canto do olho,
de relance,
parecias mais magro,
cabelo desgrenhado,
ontem pareceu-me ver-te,
parecias um mendigo
ontem vi-te,
não sei se me viste,
parecias sufocado,
com palavras por dizer
parecias tu,
mas sem certezas,
pareceu-me ver-te,
parecias doente
ontem vi-te,
num reflexo estranho,
numa montra
num espelho
ontem vi-te, seria eu ?!
Parece cá dentro que tudo nos mói
Enquanto lá fora o mundo se acaba
Num jogo de dança em chão de lençóis
Mas só da cabeça não sai a lembrança
E o corpo soluça, sente-se apertado
Numa sensação de chão mal pisado
Num escape profano finge as sensações
E a alma definha sem contemplações
E os braços erguidos, agora espojados
Os sonhos perdidos no chão espalhados
E as horas que pesam, num choro sem som
E os anos que passam num rosto sem tom
Querer ser criança, viver o passado
Mas ele já não vive, está morto enterrado
E o novo futuro não se faz de um zero
E o tempo que mata jamais retrocede
O tempo que mata, o tempo persegue
O tempo que mata, no fim só tu cedes...
"Starry Night Over the Rhone" 1888 - Vincent Van Gogh
Um homem olha pela janela num dia cinzento de Outono, lá fora o tempo está hesitante - pensa ele. Decide vestir gabardine e levar chapéu-de-chuva. A meio do caminho chove, ele num segundo apercebe-se que se esqueceu do chapéu-de-chuva no banco do autocarro, olha para o céu e sente as gotas pingar na sua face, vê-as cair redondas nas lentes dos óculos, e ri-se, por dentro tem os braços abertos e grita, por fora apenas virou a cabeça em direcção ao céu.
Encaminha-se para o emprego, fala do tempo no elevador e do sucedido com os colegas de secção. Ao almoço o Sol já brilha, há futebol de noite, alinham-se tácticas, soltam-se gargalhadas ao sabor de cerveja sem álcool num refeitório formato escola. São 18horas, hora de sair, já anoitece, trocam-se umas frases de ocasião com o segurança em escala nesse dia:
- "Hoje o dia esteve estranho"
- "Pois esteve"
- "Ainda por cima agora os dias são mais curtos..."
- "Sim, agora até Dezembro é sempre assim, mas lá para Janeiro já começam a abrir"
- "Pois é... é assim a vida, o tempo passa e nós andamos ao sabor dele, até amanhã então"
- "Amanhã estou de folga mas está cá o Sr. Paulo... até sexta"
- "Vocês com os horários rotativos também têm uma vida complicada, mas tem de ser... até sexta então"
- "Pois... até sexta"
Horas mais tarde o Segurança olha para o relógio, faltam 10minutos para sair, já acabou a ronda ao edifício, dá uma última espreitadela no hall de entrada, esta tudo bem, vai trocar de roupa, são agora 22 horas em ponto, liga o alarme, verifica 2 vezes as fechaduras - como aprendeu na formação - e vai dar uma vista de olhos na porta da garagem.
Entra no carro, solta um suspiro. Acompanha o resto do relato no caminho para casa, 0-0, está tudo em aberto. Envia uma mensagem á mulher:
- "Boa noite amor, estou agora a sair do trabalho, podes ir aquecendo-me o jantar, beijos"
Tudo está bem, afinal, para ele, amanhã é feriado...
Andar por aí
Andar em veículos
No seu próprio pé
Percorrendo círculos
Andar distraído
Andar sempre alerta
Andar tão perdido
Sem ter descoberta
Andar confiante
Andar sem disfarce
Mais um vagueante
Que apenas quer dar-se
Faz um ano que partiste, e estás ainda tão presente, na tarde anterior, quando te vi pensava que estava preparado para tudo, mas nunca estamos, não sei se te apercebeste, mas fiquei de rastos, o Mundo desabou em 2 segundos, recomposto (se é que isso era possível) tentei que baixasses os braços, que parasses com essa teimosia, mas depois percebi que estavas no controle de tudo e completamente sereno com isso, fui talvez o primeiro a aperceber-me disso, penso que tenhas visto nos meus olhos, no sorriso de paz que trocamos, no mutuo abanar de cabeça e encolher de ombros horas antes de partires, de certeza que viste e sentiste o replicar da tua pessoa em mim e algo se passou nesse dia, mais forte e mais sentido do que viria depois, porque depois já não estavas lá, porque depois partiste, mas sabes bem, sabemos os dois que nos despedimos nessa tarde, sem choros, sem dramas, apenas paz nessa cumplicidade, foste leal com os teus princípios e é isso que diferencia os homens, os lideres, os que seguem e os que são seguidos, os que marcam os outros para a vida e que os perdura para a eternidade, a sua capacidade para viverem a vida ao sabor da sua vontade, ao som da sua própria pauta. Sinto a tua falta, sentimos todos, sentimos tanto...
Poucas coisas nos sabem tão bem como quando matamos a sede, quando matamos a fome, e poucas nos satisfazem tanto como dormir quando temos sono, como deitarmo-nos mais um pouco quando estamos cansados, 0s famigerados 5 minutos transformados em horas de sono reconfortante, mas nada me faz mais falta que o AMOR, nada me faz mais falta que a tua presença, mesmo quando odeio tudo o resto, tu fazes-me falta, faz-me falta sentir-te por perto, sentir-te num abraço, num aperto dos meus braços e de te ver adormecer...
ALL YOU NEED IS LOVE - "Magical Mystery Tour / Yellow Submarine"
The Beatles - Lennon/McCartney
Love, love, love, love, love, love, love, love, love.
There's nothing you can do that can't be done.
Nothing you can sing that can't be sung.
Nothing you can say but you can learn how to play the game
It's easy.
There's nothing you can make that can't be made.
No one you can save that can't be saved.
Nothing you can do but you can learn how to be in time
It's easy.
All you need is love, all you need is love,
All you need is love, love, love is all you need.
Love, love, love, love, love, love, love, love, love.
All you need is love, all you need is love,
All you need is love, love, love is all you need.
There's nothing you can know that isn't known.
Nothing you can see that isn't shown.
Nowhere you can be that isn't where you're meant to be.
It's easy.
All you need is love, all you need is love,
All you need is love, love, love is all you need.
All you need is love (all together now)
All you need is love (everybody)
All you need is love, love, love is all you need.
Fui ela... foi eu...
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